quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quando vem da alma

Volta teu semblante abandonado
para teu peito, em chagas, aberto
e condena teu coração apaixonado
à solidão, no teu escuro deserto

Sorri, amarelo, esse gosto de fel
e engole seco a palavra emudecida,
jamais escrita nesse amarelo papel
já esquecido num canto da vida

Mas renova-te, agora que tua poesia
o abraça desde longe e te abranda
esses olhos que docemente um dia
se encheram de amor e esperança

Ouve essa voz, com muita atenção
que inunda tua noite com calma
e fala mansa e doce ao teu coraçao
pedindo respostas à tua alma

Entrega teu sonho ao sono profundo
e cuida de acordar para a nova realidade.
Sinceridade não é virtude de todo mundo
nem tampouco amar... de verdade.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Crônica de um natal anunciado...

     As luzes formavam uma constelação à parte na fachada das casas, nas árvores, nas ruas, prédios, as lojas decoradas e coloridas e em algumas ouvia-se o tradicional "ho ho ho" de um velhinho vestindo um pijama vermelho e de longas barbas brancas que sobrevoava as casas em um trenó puxado por renas (voadoras?) e atirando presentes pelas chaminés das casas habitadas por crianças sonhadoras que mal conseguiam dormir na expectativa de que no dia seguinte pudessem encontrar seus presentes ao pé da cintilante árvore natalina, cuidadosamente deixados pelo bom velhinho. 

     A mesa, ainda por tirar, denunciava o banquete da noite anterior, a torta ainda intacta, as taças vazias, algumas uvas e frutas permaneciam intocadas em contrapartida ao devastado peru de natal. Esse era o panorama na quase totalidade dos lares. No dele não. 

     Seu último natal açoitara-lhe a lembrança. Não passava das dezoito horas, a movimentação nas casas vizinhas à sua, risos, gargalhadas, mas na sua o silêncio era total, quase fazia neve, não pelo frio do clima, mas pela ausência de alegria e desses sentimentos todos que ele não queria se lembrar. Isso o deprimia. 

     Seus filhos costumavam passar a noite de natal com a mãe e o dia seguinte com ele, sua mãe dormia muito cedo, então ele sempre almoçava no dia seguinte com ela. A lacuna da noite de natal persistia. 

     Ele preparou com cuidado a mesa, dispôs um prato com talheres somente, uma taça e um copo. Sentou-se ao piano e tocou melancolicamente sua canção favorita no final de ano, "Silent Night - 7 O'Clock news" de Simon & Garfunkel ( http://www.youtube.com/watch?v=WgYFXCUEL4Y ). 

     Esse ano seria diferente. Aguardou o entardecer, contemplou uma vez mais o sol se debruçar por trás da linha do horizonte dourando toda a paisagem que podia avistar da janela do seu quarto, no décimo primeiro andar, até que a última luminosidade se apagasse nas nuvens cinzentas que anunciavam uma iminente chuva. Acendeu um incenso, as velas aromáticas que dispusera na cozinha, copa e banheiro. Tomou seu banho quente, sentindo a água do chuveiro lavar as lágrimas que rolavam em seu semblante de sobrancelhas levemente arqueadas para baixo e seus lábios indiferentes e retilíneos. 

     Antes de sair, sentou-se à mesa, tomou um bloco de papel e rabiscou algumas palavras, destacou a folha e colocou-a na estante da sala, num local em destaque, ao lado de suas medalhas de corrida, seu ultimo hobby. 

     A noite caiu como um pesado véu escuro e cinzento trazendo uma chuva fina e contínua que refletia as cores no asfalto molhado. Ele camnhou durante um tempo sem rumo, recordando, enquanto seus passos o levavam alhures, tudo que vivera até ali. O aroma das folhas molhadas das árvores se misturavam com o aroma da ceia sendo preparada na vizinhança. Ele parou na ponte do rio que passava próximo à sua casa, debruçou-se sobre o parapeito  e observou pensativo as águas que passavam em fortes corredeiras sob a ponte, devido às chuvas constantes nessa época do ano. 

     Aos poucos as canções natalinas, os risos, o aroma da ceia, as luzes, o burburinho das crianças brincando, as pessoas cantando, tudo foi ficando para trás, diminuindo pouco a pouco, até sucumbirem de vez assim como suas lágrimas, melancolia, tristeza, más lembranças, recordações e frustrações e poucas alegrias a que tivera direito nessa sua existência.

Feliz Natal a você.