sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Monocromatico


Um dia Paulinne acordou, abriu a janela, e percebeu que tudo estava escuro lá fora embora o relógio já marcasse oito horas de uma manhã que deveria estar ensolarada. O mundo estava em preto e branco, numa monocromia que afetava os olhos e os sentidos. As árvores, que Paulinne normalmente mal observava estavam secas, o jardim com todas as flores que Paulinne raramente regava, estava repleto de flores murchas e cinzentas, o gramado se assemelhava a um tapete cinzento, os pássaros, mudos, não perturbavam mais Paulinne com seu canto todas as manhãs, as uvas na videira estavam pardas e a água que corria num córrego próximo à sua janela, secara. 

Paulinne viu seu dia diferente, nublado, despojado de tudo aquilo que a natureza diariamente oferecia e ela não dava o devido valor. O Sol parecia uma esfera negra, a lua não mais era visível pois o sol que a ilumina e a torna tão bela, já não a acariciava com seus raios brilhantes. Já não havia mais perfume no ar, pois tudo era insólito e triste.

Pauline olhou o horizonte tentando divisar alguma coisa além de uma cortina cinzenta e carregada mas não conseguia enxergar nada. Tudo que era belo, perfumado, colorido, brilhante, audível, movimentado, de repente parou.

Paulinne não conteve as lágrimas que rolaram pela sua face e voltou a dormir, refletindo sobre tudo que lhe era dado, ofertado e Paulinne não sabia dar valor ou enxergar a grandeza que há por trás dos pequenos atos, das pequenas belezas, do mínimo gesto, do carinho, da dedicação de cada elemento que sempre coloriu seu dia, enchia-o de perfume, cores, sons e amores.

Paulinne adormeceu.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Dente-de-leão

...Ele sentou-se à beira daquela rocha e com seus olhos cansados, perdidos, contemplou todo aquele vale que se estendia até onde a terra se encontrava com o céu. Escalou os 5 mil metros daquela montanha (que não era a maior, mas como desafio, para ele, era). Em seus olhos podiamos ler o entardecer, velando a cor-de-mel em um castanho escuro, refletindo a parca luz dourada do astro rei que já se debruçara por detrás da linha do horizonte, deixando à mostra somente sua luminosidade que transformara aquele céu azul em um teto alaranjado com rajadas vermelhas, anunciando uma noite fria que viria a seguir.

O caminho de subida não fora fácil com todos os pedregulhos, trilhas íngremes, vegetação fechada, espinhos lhe ferindo a carne, cortando sua pele até sangrar, os pés cansados e maltratados pela trilha rústica e repleta de pedregulhos que vez ou outra o faziam escorregar e tropeçar, sobrecarregando as articulações do joelho e por vezes tendo que se apoiar para não cair devido ao peso de seus apetrechos de escalada. Mas à medida que subia, seu pensamento se concentrava na paisagem à sua volta. A vegetaçã de árvores altas e frondosas, espalhavam o verde e deixavam passar por entre suas folhas os insistentes raios de sol que as alimentavam e alcançavam as menores e rasteiras vegetações que não conseguiam se erguer até as nuvens para que banhassem naquele calor aconchegante e dourado.

     Ali sentado, consigo, não entendia o porque de muitas coisas... nem poderia, afinal a vida é para ser vivida, não compreendida. As nuvens, tocadas pelo vento, vagavam ao sabor do mesmo, não sabendo onde iriam parar (ou se iriam), afinal, destinos são onde desejamos ir e não outro lugar, pois é nosso coração quem nos impulsiona e dita nosso rumo, soprem ventos ou não.

     A noite começava a transformá-lo em silhueta, ali, sentado à beira daquele abismo, com as pernas penduradas no vazio, que agora já não permitia mais diferenciar quase nada além do breu desolador e ao mesmo tempo encantador com o tapete de estrelas que já começa a se formar, permitidas pelo ocaso que comprimia seu peito. 

     Colheu um dente-de-leão que estava ao seu lado, estendeu-o em direção ao vazio e soprou... sentiu-se um Deus naquele momento, determinando quem fica, quem vai, dando destino a cada uma daquelas plumas que soprara rumo ao desconhecido. Da mesma maneira, atirou uma pedra no vazio, mudando todo o destino daquela pedra. Era para ela ficar ali mesmo ao seu lado ou para que cumprisse seus dias de pedra lá embaixo? ele não sabia, mas atirou assim mesmo. Era sua vontade, afinal. Não importava o que a pedra quisesse (ou sentisse, se pedras sentissem... ou quisessem) pois lá embaixo, julgava ele, ela teria outra vida(?) diferente daquela ali em cima, que já estava vivendo e aos seus olhos, ela não parecia uma pedra muito feliz, então só há uma alternativa (e ele aprendera isso com muitos sofrimentos na vida) para que pudesse ser feliz... fazendo as coisas diferentes do que já fizera até então. Só obtemos resultados diferentes se fizermos (e tentarmos) as coisas de maneira diferente, senão obteremos sempre os mesmos resultados e aquela pedra, definitivamente, já tivera sua vez e sua oportunidade (e não rendeu frutos).

     Engoliu seco, cerrou os olhos numa tentativa insólita de enxergar algo adiante ou à sua volta, mas nada. Apoiou-se no antebraço, erguendo levemente seu corpo no ar, projetou-se um pouco adiante e se perdeu na escuridão do nada.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Anne

ouça enquanto lê:

https://www.youtube.com/watch?v=l_nqghgL3Ls

     Anne é uma jovem mulher de olhos penetrantes e brilho suave e juvenil, corpo atlético esculpido pela prática de esportes, academia e muito suor em seus treinos diários que chegavam a durar horas, cabelos curtos, voz com um timbre particular, daquelas que passamos horas e não nos cansamos de ouvir.
     Anne era muito bonita, inteligente, culta, doce, extremamente gentil, educada e certamente como todos, possuía defeitos, mas esses estavam muito bem ocultos pois não conseguiríamos enxergar nenhum na convivência diária.
     Mãe e esposa dedicada, Anne era uma tempestade arrebatadora, casada com uma pessoa com características opostas às suas. Todo inicio de relacionamento é perfeito, mesmo que os casais tenham personalidades (temos várias segundo Jung) antagônicas. Mas o tempo (sempre ele) veio mostrar que não é bem assim que deveria ser para que seja duradouro.
     Anne é o doce e indomável vento do outono que açoita e arrebata as folhas do Bordo, dourando a paisagem e desnudando as árvores de suas folhas secas. 
     Anne é o mar revolto em ondas que sobem com seus tentáculos na tentativa de tocar o céu e banhar as estrelas em infindáveis tempestades noturnas.
     Anne é o sol que doura a pele e aquece a alma de quem a cerca, bastando para isso estampar um sorriso em seu lindo rosto expondo a boca perfeita de lábios delgados e contornos sugestivos.
     Anne é o terremoto que sacode a terra onde correm os pés que caminharam por anos ao lado de seu companheiro, esperando que seu casamento fosse para sempre e aguardando a cada dia que todo seu carinho, amor e dedicação fosse (como deveria ser) completamente retribuído com a mesma verdade e intensidade com que dedicava o seu a ele. 
     Anne gosta de passear, viajar, correr livre pelos campos, acampar, saltar de pára-quedas, base jump, nadar, caminhar, pedalar, deitar-se na grama à beira de um lago e não pensar em nada, mas sentir que em nenhum desses momentos estaria sozinha, mas sim acompanhada daquele que escolhera exatamente para compartilhar tudo isso que a deixava feliz.
     Anne é MPB, mas principalmente era Rock n Roll de Satriani, Slash, Pearl Jam, Metallica e todas essas bandas cheias de energia que embalavam seus dias até o momento em que devorava seus livros (Anne adora ler) perdendo-se em histórias e mergulhando nas páginas das fantasias de Saint Exupéry ou na Psicanálise de Freud.
     Anne é mulher de unhas bem cuidadas, vermelho Rubi e batom rosa bebê e estatura suficiente para chamar a atenção (como se precisasse) quando desfila de salto alto com sua ginga que causa torciolos e discórdias entre os casais pelo simples fato de passar diante deles.
     Mas Anne não é feliz como deseja (e deveria) ser. 
     O tempo tem mostrado que seu casamento não durou o suficiente para que fossem "felizes para sempre" e a "solidão a dois" (como cantava Lobão) começa a incomodar como a pior de todas. As noites já não são mais à luz de velas, nem os jantares são preparados com o carinho que deveria. O cobertor e travesseiros já nem sempre são jogados ao chão e muito raramente as roupas ficam jogadas ao chão no trajeto da sala ao quarto de dormir, deixando rastros de pulseiras, colares e, nas taças, marcas de batom.
     Anne vive um casamento que há muito já deixou de sê-lo. Resta Anne descobrir (e descobrirá) que a amizade entre eles continuará, mas a jornada do dueto "marido-mulher" já se encerrou e que ela deveria encontrar uma alma com a mesma sintonia que a dela, com os mesmos gostos e que venha polir sua vida de cristal como deve ser polida, agregando brilho e amor à sua. 
     Anne descobrirá que não é fácil romper um relacionamento que durou anos mas que chegou ao fim e quando algo termina, seja em qualquer sentido, acabou. Restam fragmentos bons, claro, as lembranças que ficarão, mas que não a sufoquem, como frustração, de como deveria ser.
     Anne entenderá que conta com família, amigos e outras pessoas que ajudarão a superar essa fase difícil e complicada mas necessária quando a rotina, o tempo e a falta de valor do companheiro sepultaram o que poderia ter florescido.
     Anne é uma mulher independente, autossuficiente e competente materialmente falando. Não depende hoje e não dependerá amanhã de ninguém para seu sustento. Anne saberá educar seus filhos, afinal, não se separam pai e mãe, apenas marido e mulher. 
     Anne é a poesia da lagarta em mutação para renascer borboleta.
     Anne é a gota de orvalho que percorre a folha e acaricia a pétala com seu frescor.
     Anne é o arco-íris que pinta nossas vidas numa aquarela.
     Anne é o doce, o amargo, a luz e a escuridão. 
     Anne é paixão.
     Anne descobrirá com o passar dos dias que a época de Helena de Tróia não deve existir nos dias de hoje e que não se prenda a "Menelau" pois há muitos sorrisos e alegrias que a aguardam em dias ensolarados, outros nublados, mas o sol estará ali. Dias de leitura a dois, de cócegas e gargalhadas, de pedalar a dois (na verdade mais que dois, pois Anne tem filhos), de viajar e esquecer de voltar, lambuzar os lábios de sorvete, dormir agarradinha, dançar e pular ao som do melhor Rock n Roll, assistir abraçadinha ao show de sua banda preferida, assar marshmellow numa fogueira no camping, gritar com os pernilongos dentro da barraca, tomar banho de cachoeira, jantar à luz de velas, tomar café na padaria do bairro, comer pastel de feira e macarrão preparado só para ela, ouvir musica bem alto, dançar sem ter motivo e cantarolar sem saber a letra, apenas por estar feliz.
     Anne descobrirá que a vida não acaba ao final de um relacionamento... pelo contrário... quando não há plenitude no que está vivendo, ao final do mais ou menos (inadmissível em todos os aspectos viver algo mais ou menos), caberá a ela, somente ela, descobrir a si própria em sua nova vida e alçar novos vôos, pois Anne nasceu para ser estrela do firmamento e não do mar, para viver de grãos de areia de sentimentos.
     E chegará o dia em que Anne acordará ao lado de um novo amor e em lugar de simplesmente se levantar, cedinho, da cama, voltará a abraçá-lo e adormecer com um sorriso nos lábios, marcas de unhas na pele, lingerie espalhada pelo chão, sobras de vinho na garrafa, paz na alma, brilho nos olhos, felicidade no coração, filhos dormindo no quarto ao lado e uma nova vida pra viver... e que dure enquanto existir amor (acredito que seja por muitas décadas), pois certamente Anne escolherá por companheiro um homem que saiba apreciar e compartilhar cada minuto ao lado dessa joia lapidada e de valor inestimável.
     A vida, Anne... apenas começou.
     Brindemos a ela.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Xeque Mate

( https://www.youtube.com/watch?v=LDsr4etJlwc )
     O sol ainda se debruçava sobre as colinas de Garden Hills quando Laura acordara e seus olhos preguiçosamente recusavam despertar. Caminhou cambaleante em direção ao banheiro, abriu a torneira para encher a banheira, espalhou os sais de banho, foi até a cozinha, ligou a máquina de café e a máquina de waffle. Voltou ao banheiro, prendeu os cabelos dourados e mergulhou vagarosamente na água morna já coberta de espumas.

     Era final de tarde de sexta-feira, as pessoas deixavam seus trabalhos e se encontravam para o happy hour. Laura marcara com Phill em um pub que gostavam de frequentar, onde tocavam os blues que adorava ouvir e preparavam o melhor bloody mary que já provara. Há cinco anos conhecera Phill num show de Garth Brookes em Fort Worth, Texas. Não demorou muitas semanas para que se apaixonasse por aquele homem carinhoso, cavalheiro e atencioso. Laura é Brasileira e passava férias na casa de alguns amigos no Texas. Phill é Canadense e fora até o Texas apenas para ver o show. Após alguns meses de namoro e diante da insistência de Phill, Laura mudou-se para o Canadá e passaram a viver juntos.

     Os dois primeiros anos foram maravilhosos e harmoniosos, até que Laura resolvera retormar os estudos e trabalhar. Naturalmente Laura fizera amigos no trabalho, faculdade e recebia convites para festas, eventos, passeios e shows. Phill não se importava desde que pudesse acompanhá-la mas quando não era possível, Laura participava de alguns eventos sozinha. Laura sempre foi leal ao relacionamento com Phill e em momento algum suas condutas contrariavam sua condição de mulher comprometida em um relacionamento. 

     Phill começara a ficar incomodado e sentir ciumes das amizades de Laura. Questionava sempre onde estava, com quem estava. Começou a bisbilhotar seus e-mails, correspondência, faturas do cartão de crédito, monitorar os horários de Laura, vasculhar seu celular e interferir na sua privacidade. A doçura cedia lugar, diariamente, a questionários intermináveis e interrogatórios injustificados acerca de sua integridade moral.

     O jardim do Éden virou purgatório para Laura e decidiram, após quatro anos de convivência, encerrar o relacionamento. Ao ter consciência de sua perda, Phill tentou se desculpar, prometeu mudar o comportamento, mas promessas da boca pra fora não funcionam se não houver mudanças interiores de atitudes. Após alguns meses de insistência, Laura cedeu e deu outra chance a Phill, mas não durou dois meses para que o descontrole emocional de Phill recomeçasse. 
   
     Laura não suportava mais. Voltou definitivamente para o Brasil. Confiança é imperativo mas ser colocada à prova sem fundamento é desrespeito. Um dia as pessoas compreenderão que amar alguém é uma escolha e que amor não é um sentimento que brota e permanece mas sim uma chama que alimentada corretamente se mantém viva e quente. Há homens ciumentos e mulheres ciumentas. Em todos os casos não são os ciúmes que incomodam, mas a falta de auto-confiança e autoestima que dominam o outro. 

     Um ano depois de voltar definitivamente ao Brasil e não obstante as incontáveis negativas de Laura diante da insistência de Phill em reatar, Laura recebe um telefonema de Phill dizendo que estava no aeroporto e queria encontrá-la. 

     Laura levantou-se da banheira, enxugou-se, penteou os longos cabelos dourados à altura da cintura, olhou-se no espelho e por instantes contemplou aquela mulher de olhar determinado, olhos castanhos brilhantes, seguros de si, respirou fundo e foi encontrar-se com Phill para lhe dizer que durante todo o tempo em que estiveram juntos ela sempre foi honesta e leal ao relacionamento e que embora ele não acreditasse, infelizmente não era a maneira como ELE a enxergava que determinava quem ela realmente era, mas suas atitudes e condutas sempre corretas em relação a ele e a honestidade de seus sentimentos que ele não conseguira enxergar. 

     Laura calçou suas sandálias de salto alto, e saiu para encontrar-se com Phill unica e exclusivamente para dizer a ele que... Não, Phill... infelizmente as oportunidades lhe foram dadas e se em todo esse tempo você não soube valorizá-las deixe-as para outro que as mereçam. 

     Seu tempo e oportunidades junto a Laura, Phill, acabam aqui.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Se você tem medo...

...de olhar em meus olhos e se enxergar dentro deles envolvida com ternura e doçura
...de sentir-se frágil, desamparada e encontrar meu abraço e minha presença sempre que precisar
...de sair à noite para jantarmos à luz de velas ou dançar e sorrir à toa
...de ficar em casa num sábado à noite saboreando um vinho enquanto preparo nosso jantar
...de se aninhar em meu colo sob o edredom no sofá da sala para ver um filme enquanto afago teus cabelos 
...de viajar aos finais de semana para qualquer lugar pois não importa onde quer que eu vá desde que você esteja comigo
...de sentir-se triste pois eu secaria tuas lágrimas com meus beijos e ouviria silenciosamente teus soluços
...de pular em meus braços e me abraçar apertado quando eu bater à sua porta tarde da noite só pra dizer que estou com saudade
...de fazer caretas só porque não gostou do prato que preparei para nosso café da manhã e mesmo assim darmos risadas
...de contar seus problemas e juntos buscarmos uma solução para cada um deles
...de ver o dia amanhecer após nos amarmos a noite toda e ainda assim desejar que o dia passe lentamente para aproveitarmos ainda mais um ao outro
...de receber flores e beijos
...de dedicar um pouco de seu tempo, seja numa mensagem, num bilhete ou numa ligação
...de me ligar no meio da noite quando perder o sono
...de dormir em meu colo num preguiçoso final de domingo
...de sentir-se muito amada, protegida e desejada

...de sentir e viver tudo isso... 

...então você não merece o meu amor...

...procure outra pessoa, que a deixe em segundo, ou quem sabe até terceiro plano e não lhe dará mais, com o passar do tempo, do que a solidão de um dia de feriado em casa sem nada pra fazer.

...pois eu não sou o homem certo pra você.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

midnight

Ouça: https://www.youtube.com/watch?v=Id_UYLPSn6U

A vida se parece (e acontece) com o ciclo de um dia.

Amanhece...

O sol brilha, irradia, enche-te de paz (e esperanças) e alegria
Tu percebes teu calor nas manhãs que douram teus olhos e coração
Cerra os olhos e enche de ar fresco teu pulmão
Estende a mão, entrelaça os dedos, de todo o mal, tua mente esvazia

A fome de amor estreita os laços,
foges da saia materna e apaixonas
Sucumbes a vários amores, temores, hesitas, encaras
Chega a tarde e quem não te valoriza tem que partir (e deve)

Entardece...

nos olhos, no fruto, na terra, na chuva e na alma
arrasta lágrimas, escancara sorrisos, forma sulcos na pele
e erosões nos sentidos

Anoitece...

vem os pesadelos mas também os sonhos quando escurece
e só, rolando na cama, abraçada à desesperança, padece
mas te esqueces que tudo que passastes apenas a preparastes
para um novo amor

e se estenderes a mão, novamente, como quando amanhecestes,
verás que após a meia-noite,
embora noite,
já começou a amanhecer

e como ninguém é igual a ninguém,
bem fizestes em começarem a se conhecer
pois a vida sempre pode lhe surpreender (e ele também)

e a chama do amor pode reacender, pois
amanheceu,
entardeu,
anoiteceu em sua vida,
você o conheceu,
estão se conhecendo
e talvez tu estejas feliz
ou querendo...

assim como ele.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Suspire...


Por quanto tempo vou te amar?
Amor não tem tempo, nem duração
Quem manda nesse caso é o coração

Amor não tem início, meio ou fim
Amor simplesmente É... assim

Amor não se pede, acontece
Surge a amizade, a afinidade
E quando aparece é um sufoco no peito
Coração dispara, quase não respiramos direito

Amor não tem data de validade
O que o mantém é a qualidade e lealdade
Amor não tem data de vencimento
Ele dura enquanto houver sentimento

Amor não tem garantias
Mas não se engane,
Ele exige uma conquista todos os dias

Não há quem ame mais
Há quem se dedica mais,
Há quem se doa mais

O amor não admite talvez
Ou você ama e cuida desse amor...
Ou "era uma vez..."

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Vênus


   ...se fosse contar, já era a oitava ou décima vez que ele ouvia aquela música. Era a música preferida dela. ( https://www.youtube.com/watch?v=8nOEO7Hm7rg ) Isso trazia à memória o dia em que se conheceram naquela rede social. Tinham amigos em comum e quando ele a viu na página de sua amiga, seus olhos não conseguiram mais se afastar de suas fotos. 
   Sentiu seu coração bater mais forte enquanto se encantava com aqueles olhos que tinham cor de entardecer no outono, com aqueles lábios carnudos em formato de coração, aqueles cabelos que lhe incitavam a mergulhar naquela foto só para tocá-los e sentí-los entre os dedos, se pudesse. Era uma Vênus, com aquele corpo desenhado e esculpido no suor da academia, embora a beleza física não era o que mais pesava para ele, afinal, ela é efêmera. 
     O que lhe conquistava a cada dia mais, era sua maneira de pensar e o romantismo dela. Era uma mulher muito romântica e ele ainda mais.
     Marcaram um encontro no shopping, no final de semana, para se conhecerem. Ela chegou vestindo um shortinho curto (ele adora) mostrando suas pernas perfeitas, uma blusa escura que contrastava com seus olhos cor de outono, salto alto, caminhando lentamente em sua direção. Ele havia reservado uma mesa em seu restaurante preferido. Era uma noite de inverno, embora não estivesse frio, mas tinha seu encanto aquela brisa que soprava seus cabelos no terraço do restaurante. 
     Conversaram animadamente após o jantar e em seguida ele a convidou para caminharem um pouco lá fora. Caminharam até o jardim onde havia um lago e ficaram debruçados sobre a proteção que havia ao redor do mesmo. A noite clara, com sua lua cheia contornava silhuetas ao longe de outros casais. Ele roçou sua mão sobre teus braços e afagou seus cabelos aproximando seu rosto daquele rosto de querubim. Aqueles lábios carnudos o faziam perder o fôlego, ao ponto de não resistir e interromper a conversa colando seus lábios nos dela. 
     Foi mágico quando ele sentiu aquela maciez que roçara nos seus, aquele gosto de fruta do seu batom e o calor que aquecia os seus lábios que contornavam lenta e suavemente os dela, roçando os cantinhos de sua esculpida boca com a pontinha da lingua e mordiscando seu lábio inferior, buscava aquela lingua macia para unir à sua num beijo caliente e demorado. Seus braços a enlaçavam e apertavam num abraço que não queria mais que desatasse, que eternizasse e se assim pudesse, que ali seu último suspiro padecesse. 
     Seu coração não se enganara, a mulher por quem ele quase parara poderia finalmente ler em seus olhos o que palavra alguma é capaz de descrever, poema algum capaz de enaltecer, música alguma capaz de dizer e qualquer outra mulher, que conhecera até então, capaz de superá-la. Não foi preciso nenhuma pergunta, nenhuma resposta, para que ali iniciasse um namoro, pois algumas coisas não são ditas, mas sentidas, combinadas pelo coração, escancaradas pelos olhos e eternizadas na alma. 
     O amor não pede nada além de sinceridade, reciprocidade e lealdade, pois ao contrário, não é amor. Ele cuidaria dela. Ela cuidaria dele. Juntos cuidariam de seus futuros. Que venham as manhãs em que ele sempre lhe mandaria uma mensagem de carinho ou nas manhãs em que ele levará seu café da manhã na cama. Que venham as tardes em que ele a buscará no trabalho ou preparará o jantar esperando por ela. 
    Que venham as noites, em que dormirão abraçadinhos ou verão o dia raiar e iluminar seus corpos suados.     Que venha a vida, toda a vida, em todos seus dias longos, pois quem ama, não vê a vida passar. 
     É assim que ele a quer...  

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ciumes

     Ele a deixou em casa por volta das 23:00 h. Ela sequer olhou para trás nem tampouco se despediu como sempre o fazia. Subiu apressadamente os degraus que levavam ao seu apartamento, com as sandálias de salto nas mãos, entrou apressadamente, trancou a porta, deixou a bolsa e as chaves sobre o aparador, apoiou-se no mesmo, olhou-se no espelho que havia na parede e ficou por alguns instantes ali parada, procurando respostas que não viriam.
     Anne era uma mulher bonita, madura, pouco mais de trinta anos, inteligente, culta, independente. Seus cabelos de ébano à altura dos ombros, franja que lembravam Cleópatra, sobrancelhas delgadas e delineadas, formavam um contraste gigantesco com seus olhos claros como duas esferas de vidro que cerceavam um nariz afilado, pequeno, delicado. Seus lábios finos emolduravam sempre um sorriso que denunciava dentes perfeitamente brancos.
    Seu vestido decotado, mal conseguia conter seus seios rosados e naturais, firmes, livres de qualquer aparato que pudesse contê-los e a abertura lateral de seu vestido, que subia quase à altura do quadril, expunha, lindamente, coxas grossas, esculpidas, pele alva. Mas não é sobre o exterior de Anne que vamos falar. 
    Há quatro meses Anne conhecera Mike numa boate que frequentava com as amigas. Gentil, educado, despojado, divertido e companheiro. Ela bebia dry martini e ele, atento, pediu ao garçom que a servisse outro drink, acenando com a cabeça e sorrindo quando o garçom lhe disse que havia sido aquele rapaz naquela mesa quem havia lhe oferecido aquele drink.
     Como todo começo de namoro, tudo correu perfeitamente, pois ele se apresentava romântico, gentil, cavalheiro, compreensivo, maduro, paciente, calmo. Ele a procurava todos os dias, enviava mensagens no celular pela manhã, durante todo o dia e à noite nos dias que não a via, convivia com seus amigos e amigas e tudo parecia estar perfeitamente normal.
     Mas naquela noite, parada diante do espelho sobre o aparador, ela contemplava seus olhos, outrora brilhantes e felizes, cheios de vida e expectativas e agora turvos e cheio de dúvidas e receios. Aquele rapaz cheio de qualidades, não conseguiu sustentar as máscaras e mostrava-se ciumento ao extremo. Implicava com suas amizades, seus amigos, seus encontros com as amigas para bate-papo, não se sentia seguro quando ela saía sozinha. Sempre desconfiado, sentia-se ameaçado com qualquer ligação ou mensagem que ela recebia em seu celular, querendo saber quem era, de quem era tal mensagem? quem é tal pessoa.
     Anne não entendia o porquê de tudo aquilo, por que as pessoas agiam daquela maneira ou se sentiam assim. Em momento algum ela deu motivo, por menor que seja, para que ele sentisse ciúmes. Parece que à medida que um relacionamento avança em importância e sentimentos esse vilão vai surgindo. Claro que sentir ciúmes é, pela natureza humana, normal, mas dentro de padrões normais e aceitáveis sem ferir a liberdade do outro nem cerceá-lo com ataques descontrolados de invasão de privacidade e desrespeito ao espaço alheio. Ele deveria entender, assim como muitos outros homens deveriam, que ela se apaixonou por uma determinada pessoa, que naquele momento, conduzia personas que a conquistaram e, afinal, não lhe pertencia de fato. Ele não conseguira sustentar aquelas características que a agradaram e com o tempo, cada uma daquelas características foram atenuando ou desaparecendo por completo, por não serem verdadeiras.
     Não é de se espantar que os relacionamentos, atualmente, não se sustentem, pois as características mudam no decorrer do tempo, por não serem verdadeiras ou por não serem suficientemente fortes para se sustentarem. Por que tanto medo, tanta desconfiança, tanta vigília em cima de uma pessoa que está contigo porque quer? Não é evidente que uma pessoa está com outra porque o deseja? por que em lugar de melhorar-se, consolidar e aprimorar suas qualidades (que em teoria foram responsáveis por conquistá-la) desperdiça o tempo criando situações e episódios de ciúmes?  Por que a baixa autoestima? Na teoria (e na prática também), todos os fatores que a atraíram e fizeram-na gostar dele, uma vez potencializados, só a fariam gostar ainda mais.
    Anne sabia perfeitamente que a beleza exterior serve apenas como um fator de aproximação, mas as qualidades que sustentam uma relação, correm ao largo da efêmera aparência.
     Diante do espelho, Anne contemplava suas dúvidas, decepções e desalento. Desesperançosa, não via outra saída a não ser encerrar aquele relacionamento (mais um) e continuar sua busca por uma pessoa que pudesse entender que a fidelidade e lealdade em um relacionamento está completamente ligado à satisfação que o mesmo proporciona e ao caráter de ambos e que uma vez mantida acesa e alimentada a chama que o acendeu, diariamente, essa chama crescerá sempre... mas não... parece que aquela ideia de posse, de jargão "já ganhou", predomina e uma das partes acredita que a fase da conquista já acabou, errando de forma grosseira ao pensar assim.
    Afinal, Anne não via saída para aquele impasse a não ser encerrar seu namoro, pois ele não tinha maturidade suficiente para enxergar os sentimentos dela e confiar. Ele não entendia que quando se ama, quando se constrói com bases sólidas um relacionamento, não há espaço para a aproximação de outras pessoas. Mas isso a vida teria que ensiná-lo... não ela. Tudo que Anne sabia é que esse tipo de comportamento, não muda. As pessoas que são assim, muito raramente mudam. Podem até tentar enganar a si mesmas, com promessas de mudanças e tentativas improdutivas, mas, novamente, cedo ou tarde, as máscaras caem novamente. Anne não estava disposta a perder seu tempo nessa luta inglória.
     Anne respirou fundo, secou seus olhos, endireitou sua postura e, decidida, pegou o celular e ligou para ele:
- Pode voltar aqui em casa, por favor? precisamos conversar.

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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pra que?


(melhor que leiam ouvindo essa música... foi repetindo essa música que escrevi. Os personagens são Tidus e Yuna de Final Fantasy X )

https://www.youtube.com/watch?v=0L0roxDUERY

Passei todo o dia preocupado contigo. Pra que?
Mandei mensagens, perguntando se estava melhor, nem me respondeu. Pra que?
Liguei, seu telefone só desligado, nem me retornou. Pra que?
Dediquei muito de minha vida por você, nem valorizou. Pra que?
Compartilhei meus segredos contigo, os teus ficaram guardados. Pra que?
Sequei tuas lágrimas com meus beijos, me negastes os teus. Pra que?
Me preocupei, enquanto divertias. Pra que?
Me senti perdido e tu sequer te preocupavas. Pra que?
Saí, fui dançar, mas nem me diverti. Pra que?
Voltei, entrei em casa, deixei a luz apagada. Pra que?
Fui ouvir música, mas aquela me lembrava você. Pra que?
Já é madruga e só agora chega uma mensagem tua. Pra que?
Me perguntas se estou bem. Pra que?
Lhe respondo que estou triste. Isso nem lhe importa. Pra que?
Fico em silêncio... dizer o que?. Pra que?
Tu insistes e reclama que não respondo. pra que?
Talvez meu silêncio doa em ti como o teu doeu em mim. Pra que?
Talvez sonhei alto demais e você nem sonhou. Pra que?
Certamente te amei, mas você... Pra que?
Talvez você valorize outro tipo de homem... então... pra que?
Talvez algum dia você entenda minhas lágrimas... mas... pra que?
Talvez algum dia você enxergue além, entenda o que não quis... pra que?
Vou tentar dormir com tua lembrança... sem você.
Eu sempre te perdôo e sempre o farei... contudo... pra que?
Eu te fiz uma Deusa em minha vida, nem tua compaixão me destes. Pra que?
Deixei de dormir porque tivestes febre. No dia seguinte, nem te lembrastes. Pra que?
Cantei todos os dias pra ti dormir. Pra que?
Corri atrás de ti... mas me cansei. Pra que?

Eu lhe daria todo meu amor... mas enfim...

Pra que?

terça-feira, 22 de abril de 2014

A carta


                (Caro leitor. Se ainda não leu os contos “Ah! Veruska!” e na sequência “Raul”, leia-os por gentileza, para melhor compreensão desse conto. Obrigado).
A cena presenciada, de Raul nos braços de outra, ainda remexia seus pensamentos como as lavas de um vulcão prestes a despejar sua fúria sobre pecadores e inocentes à sua volta. Veruska, a caminho de casa, sentia o coração palpitar tão forte que parecia saltar pela boca. Seus cabelos de fios sedosos e finos, grudavam em seu rosto molhado pelo pranto. Veruska não saberia dizer como conseguiu chegar em casa. Dirigia seu veículo automaticamente durante o trajeto de volta e sequer percebeu que fizera caminhos até mesmo desnecessários.
                Veruska entrou em casa e imediatamente pegou um bloco de anotações e começou a escrever:
                “Pai, eu sei que nesse primeiro instante você vai me condenar pelo que farei. Sei o quanto dedicou sua vida toda e concentrou seus esforços e inúmeros sacrifícios para me educar e criar. Minhas mais remotas lembranças, pai, começam quando menininha, aos cinco anos de idade você me carregava no ombro, fingindo ser um cavalinho trotando comigo pela casa. Eu revia as fotos quase todos os dias, observando teu sorriso e tua felicidade em cada momento que nos fotografou. Ainda guardo os vestidinhos e os sapatinhos brancos que comprava para mim e da princesinha que me tornei quando criança só para teus olhos e para alegrar teu coração. Revi as fotos da festa de aniversário do meu primeiro aninho e era evidente a felicidade estampada em teu rosto a me segurar no colo como se ostentasse um troféu de toda sua vida.
                Pai... ser tua única filha jamais tirou o privilégio de sentir que sou amada porque sou a única, mas sim porque eu realmente me sentia amada e mimada por completo. Não sei como será “do outro lado”, tenho medo sim, mas minha decisão já está tomada, não há como recuar. Dizem que “de lá” podemos observar as pessoas aqui e estarei sempre ao teu lado, embora não poderei mais sentir teu abraço, nem tuas mãos a me acariciar os cabelos fazendo cafuné quando te visitava só para me deitar em teu colo e ser tua filhinha carente desse pai amoroso. Mas não deve doer mais que ter que deixá-lo e causar-lhe essa dor que o acompanhará por toda tua vida.
                Não queria ser fraca, pai... você me ensinou a ser sempre forte, mas algumas dessas lições não aprendi. Deveria ser forte, mandar Raul embora de minha vida e continuá-la mas não conseguiria viver com alguns fatos sem que os mesmos me roubem o sossego, escravizem minha paz e machuquem meu coração. O natal se aproxima e eu me recordo de quando você esperava que eu dormisse para colocar meu presente sob o travesseiro ou ao lado de minha cama e eu sempre lutava contra o sono, na esperança de ver papai Noel fazê-lo, mas o bom velhinho nunca aparecia e mais tarde descobri que o responsável por deixar meus presentes era uma pessoa que eu amava infinitamente mais que o próprio velhinho de barbas brancas e gorro vermelho.
                Quando comecei a estudar, lembro-me bem, doía muito mais em ti deixar-me ali na escola sozinha, tanto que sempre me acompanhava até a sala de aula e permanecia ali comigo por alguns minutos até que a aula começasse e tua felicidade era evidente quando me buscava ao final da manhã. Quando me tornei adolescente e minhas exigências foram aumentando e achava que já era mocinha, jamais ouvi de ti qualquer repreensão, mas ao teu modo, me fazia entender que ainda não era tão crescidinha quanto pensava ser e com teu carinho me educava dentro de meu entendimento e maturidade. Não me recordo quantas vezes deixavas de comprar coisas importantes para ti e comprava o que eu lhe pedia, muitas das vezes sem que tivesse o dinheiro necessário mas sempre dava um jeitinho de realizar meus mimos dentro de meu merecimento. Lembra-te das histórias que contavas para eu dormir, pai? Sempre traziam uma lição de vida ao final, exceto aquelas que terminavam com o “monstrinho” que poderia estar sob a cama ou no armário e que sempre culminavam comigo carregando meu travesseiro no meio da noite, subindo pelas tuas costas e me alojando ao teu lado em tua cama, com medo, acordava-o e não o deixava mais dormir antes de mim.
                Eu me sentia a dona do mundo ao teu lado, pai... quando dengosamente eu sentia fome e sempre queria algo que não estivesse perto de casa, mas geralmente no shopping... a escolha era apenas um pretexto para que saíssemos e ficássemos mais tempo juntos. É tão importante esses momentos juntos, mesmo que uma vez por semana ou a cada duas semanas, mas que existam na maior frequência possível, porque, um dia, algum de nós não estaremos mais por aqui... em nosso caso, eu não estarei, mas sei que a saudade ficará e estou certa que deveríamos (eu deveria) ter aproveitado muito mais a vida ao teu lado.
                Não sofra, pai.
                Sei que é pedir muito que não sofra, mas foi minha escolha. Quando perdemos nosso reflexo no espelho da vida, não nos enxergamos mais, mesmo diante de nosso eu, nossa identidade desaparece em meio à névoa de nosso orgulho, desespero e sem dúvida alguma, fraqueza. Mas como foi difícil ser eu mesma diante de tantas decepções. Muitos me julgarão fraca, outros louca, outros desejarão que tivesse feito o que fiz, com Raul e muitos outros me condenarão sem sequer me conhecerem. Estarei contigo, pai, em cada entardecer, a cada vez que seu celular tocar e aparecer nossa foto abraçados (sempre foi essa que esteve ali), a cada vez que tocar a campainha de casa e a pessoa do outro lado não pular em teu pescoço, sorridente, ainda assim, não sofra pai.
                Minha vida amorosa foi uma sucessão de fracassos, mas tive o melhor pai (e mãe) que poderia ter. Nesse aspecto minha vida foi maravilhosa. Lamento que não seja tudo como desejamos quando crescemos e nos tornamos adultos. Na fase adulta, quase tudo o que realmente importa, cede lugar às coisas de menor importância e naufragamos nos caprichos, vaidades e egoísmos e nos esquecemos do colo, da magia, do aconchego, do abraço, da ternura e do amor daqueles que nos querem bem. A pureza do coração, contaminada pelas paixões abre brechas para o veneno que corre em minhas veias.
                Te amo pai.
                Procure ser feliz, apesar de tudo. Nos encontraremos em breve, acredito nisso. E embora por muitas noites, as lembrança turvem teus olhos e o coração ameace desistir, não o faça. Não siga meus passos, pois não estarei onde me procurares.
                Sua filha, Veruska.”

                Veruska dobrou cuidadosamente a carta, colocou-a num envelope endereçado a teu pai, caminhou até a caixa de correios mais próxima e por alguns instantes, pensativa, fixou seu olhar na direção daquela rua onde morava. Já não havia mais movimento algum àquela hora, somente as folhas secas sendo arrastadas pelo vento e a tênue iluminação da rua que douravam ainda mais seus olhos, vermelhos e inchados de chorar.  Depositou a carta, virou-se em direção à sua casa entrou em casa e trancou definitivamente a porta. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Arrisque ser feliz...

Quanto mais vivo, menos vivo.
A vida é ditada por regras e quer queiramos ou não, estamos sujeitos às mesmas.
Regras de condutas, regras de comportamentos, regras sociais, familiares, etc.
Há os rebeldes que enganam a si próprios e não querem segui-las como se ainda vivessem woodstock e todo o liberalismo de estar nu fumando maconha fosse o auge do protesto e da rebeldia. Contrariar aos outros é fácil, basta fazer aquilo que os desagradam. Ser rebelde, mesmo após os 30 anos de idade (para ser bonzinho), é ter a coragem de confrontar-se, enxergar-se e reconhecer a si próprio diante de um espelho que semelhante ao da rainha má de branca de neve, lhe abra os olhos com aquilo que não queres ver.
                A verdadeira rebeldia está em quebrar seus paradigmas e lutar contra seus próprios defeitos... isso sim será capaz de libertá-lo sem torna-lo escravo de subterfúgios cotidianos aos quais recorrem para justificar a incapacidade de mudar hábitos e costumes para que a própria vida lhe forneça resultados diferentes. O rebelde luta contra si enquanto o pseudo corajoso elabora contra terceiros, busca no sarcasmo e se apoia até mesmo em arquétipos contestáveis de verdades viscerais.
                Não é somente uma gota de chuva que faz brotar a semente, nem queira acreditar nisso... ela é somente o catalisador, o hálito Divino que sopra na direção daquele que sabe fazer a leitura dos fatos desencadeados à sua volta e não se recolhe ao casulo quando os primeiros ventos de mudança interior sopram as velas de sua existência. O acaso não existe e as pessoas não surgem aleatoriamente na vida das outras pessoas, mas é preciso desvencilhar-se dos musgos que cegam os olhos sempre voltados na mesma direção e habituados e enxergar os próprios e restritos hábitos como uma panaceia para todos os males e, pior, como uma autodefesa (de quem??). Não desdenhe de quem se aproximou de ti com a intenção de agregar e somar em tua vida e quem sabe unir-se a ela. Jamais encontrarás a metade que se justapõe com perfeição à tua outra metade, mas tudo pode ser lapidado, como o diamante bruto foi um dia.
                As verdades são carpideiras e as oportunidades não acompanham sempre o mesmo féretro dos teus egos insubordinados. Assim, seja menos rebelde e mais complacente com as ofertas que a vida lhe dá.
      Arrisque ser feliz! 
    Dificuldades virão, como vieram para os três porquinhos na literatura infantil, mas... quem tem medo do lobo mau?

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Teus olhos de esmeralda...


Tem a cor de maçã verde
e teus lábios o mel que me sacia a sede

Tem o brilho das manhãs de verão
e teu sorriso a poesia que conquistou meu coração

Tem a ternura de um barco voltando
ao cais que o viu partir sob olhares sangrando

Tem a suavidade da flor
e a textura de tua pele que me inebria com teu calor

Tem a profundidade do mar
que singro em um barco a velas sem querer voltar

Tem a paixão de um jardim
florido na primavera que despertas em mim

Tem som e melodia
quando te acolho em meus braços e entramos em sintonia

Tem o perfume adocicado
de estrelas em um céu estrelado

Tem a intensa magia
dos pensamentos que encantam meus dias

Tem a imensidão de uma cordilheira
que produz o eco: quero você... você... você!


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Raul.

** Amigos leitores. Para melhor compreensão da temática desse texto, por favor leiam o conto publicado aqui no meu blog intitulado "Ah! Veruska!" o qual narra a problemática de origem. Muito grato.

Raul.

O show durara cerca de uma hora e meia. Entre beijos e abraços Raul assistira ao espetáculo ao lado de sua amante. Michelle era seu nome. Saíram conversando animadamente e foram de táxi até o hotel no qual Raul se hospedara, tendo o cuidado de registrar-se com outro nome. Raul pediu que servissem champanhe e morangos. Como em uma noite de núpcias, Raul tomou michelle nos braços e a carregou até o leito daquele quarto de hotel.
O sol já estava a pino quando Raul e Michelle despertaram. Ele tateou à sua volta até encontrar seu celular, que havia deixado no silencioso na noite anterior e conferiu as horas. Já passavam das onze da manhã. Michelle ainda dormia, envolvida em lençóis, com um braço repousando sobre o peito de Raul e parcamente cobrindo sua nudez com aqueles lençóis de marfim.
Raul por alguns segundos estranhou o fato de Veruska não ter ligado pois ela o fazia todas as manhãs, principalmente quando ele viajava a trabalho, mas não durou mais que poucos segundos sua preocupação pois logo em seguida Michelle se espreguiçara e Raul a abraçou e sussurrou - Bom dia meu amor.
Enquanto a água da banheira tornava-se carmim, Veruska gritava de dor quando a lâmina feriu o nervo de seu antebraço, causando-lhe uma dor quase insuportável e seu corpo quase saltou da banheira, suas pernas tremiam, seus pés contorcidos e respiração contida, seu coração parecia querer saltar pela boca bombeando freneticamente aquele líquido viscoso que mantinha a vida naquele corpo lindo, que naquele instante contorcia na angústia, parcialmente submerso naquela água turva e salgada pelas lágrimas.
Concluído o segundo corte, Veruska respirava com dificuldade e sentia os primeiros sinais de fraqueza em seu corpo. Por fração de segundos pensara em desistir daquele ato mas o palco estava montado e a representação de sua vida tornara-se uma grande tragédia da qual ela não desejava mais participar. Toda sua vida desfilou em sua memória, desde sua infância, o colo de seu pai que a chamava de "minha menininha", para o qual ela era absolutamente tudo em sua vida, os afagos de sua mãe, o carinho dos amigos e o amor... deteve seu pensamento e o soluço quebrou o silêncio enquanto sua vida escapava pelos pulsos.
Raul tivera um dia agradável. Michelle acordara e preguiçosamente passaram o dia se amando naquele quarto de hotel, onde Raul pediu que servissem o almoço e, mais tarde, o jantar. Entre juras de amor eterno, promessas de pedir o divórcio, planos de constituírem uma família e mudar de cidade para começar uma nova vida, Raul despediu-se de Michelle, deixando-a em casa e retornou para a sua. Queria surpreender Veruska dizendo que havia retornado no primeiro voo disponível.
Raul ainda amava Veruska - e quem não amaria? - aquela doce mulher que tudo fazia por ele, mas Raul era aventureiro, incapaz de ser homem de uma só mulher. Discursava a mesma história para muitas, no entanto jamais teria coragem de separar-se de Veruska.
Ligou uma vez mais para Veruska sem resposta, apenas caixa postal. Abriu a porta devagar e entrou silenciosamente. Esperava encontrá-la no sofá da sala vendo tv ou devorando um livro, haja vista que ela adora ler. Chamou-a pelo nome sem resposta. Procurou-a pelos outros cômodos da casa sem sucesso. A casa encontrava-se no mais completo silêncio e organizada como sempre fora. Tirou o paletó, pendurando-o no cabide da entrada, deixou sua bagagem de mão sobre o tapete da sala e subiu as escadas em direção aos quartos e biblioteca onde a procurou sem encontrá-la, também.
Raul abriu silenciosamente a porta do quarto que encontrava-se na penumbra, tendo apenas a luz de um abajur de cabeceira. A cama estava arrumada e Veruska não encontrava-se nela e no entanto não se ouvia nenhum ruído vindo do chuveiro. Chamou Veruska pelo nome, sem resposta. Raul acreditava que Veruska o vira chegando e resolvera esconder-se para surpreendê-lo como já o fizera por diversas vezes, brincalhona que era.
Foi como um tiro no peito, daqueles em que o projétil encontra diretamente o coração pulsante e o faz parar. Se Raul o visse ao espelho, veria um espectro, pálido como se não houvesse uma gota de sangue sequer para colorir sua tez. As pernas, imediatamente, ficaram trêmulas e teve que se apoiar na maçaneta da porta para que não desabasse no chão. A respiração cessou imediatamente, suas pupilas dilataram bem como arregalou os olhos e suas sobrancelhas pareciam fugir de sua testa enquanto suas mãos suaram frio e seu coração bombeava desesperado ao mesmo tempo que ele o sentia quase saindo pela boca.
Quase mergulhada na banheira, com seu rosto inclinado para o lado, apoiado na borda da banheira, seus olhos semiabertos ainda pareciam cheios de vida, tão brilhantes e doces eram. Seu rosto angelical, de nariz perfeito, demonstrava um sofrimento que somente ela soube a intensidade. Sua boca impecável sustentava, ainda, lábios um pouco entreabertos, certamente pela dor e pelos últimos suspiros entre soluços. Raul mal conseguia ver sua pele alva, macia, exceto parte dos delicados ombros que emergiam. Seus braços estavam submersos e seus cabelos repousavam, sedosos, fora da banheira, exceto algumas mechas que grudaram em seu rosto pois a janela estava um pouco aberta e uma brisa soprava carinhosamente.
Raul soltou um grito desesperado que mais parecia um grunhido que ecoou por toda a casa. Levou as mãos ao rosto e desabou de joelhos ao lado da banheira onde, inerte, repousava aquela que dedicou parte de sua vida àquele homem que desdenhou de seu amor e não valorizou toda a dedicação que recebera. Por que?? - Repetia Raul, ainda incrédulo com o bizarro quadro que se descortinava diante de seus olhos. Curvou-se sobre a banheira, abraçou seu corpo já enrijecido e numa cena patética, beijava seu rosto e seus lábios sem vida. Raul não saberia precisar por quanto tempo ficou ali abraçado a Veruska tentando encontrar uma resposta para sua mente perturbada e cheia de questionamentos. Tateando a mão submersa de Veruska Raul percebeu que ela não usava a aliança de casamento e bem ao lado da banheira, havia uma folha de papel. Raul apressou-se em averiguar do que se tratava... era uma carta de Veruska.
"Raul.
Espero que seja você o primeiro a ler essa carta e também a encontrar-me.
Não fique surpreso com o desfecho de minha pobre vida pois você contribuiu em grande parte para tal e tampouco vou desperdiçar seu tempo forçando-o a ler adjetivos de baixo calão que, embora merecedor, não vou me rebaixar a tal ponto, uma vez que você tem plena consciência de que és um cafajeste.
Eu dediquei toda minha vida, desde que nos conhecemos, a tentar fazê-lo feliz, amado, desejado, cuidado, acariciado em todas as vertentes do carinho, da entrega e do companheirismo. Briguei com minha família, desafiei meus pais que sempre foram contra nosso relacionamento e, principalmente, magoei meu pai, que nunca aprovara nossa união, repetindo que não confiava em você e que cedo ou tarde me faria sofrer.
Não sofri, Raul. Sofrimento é pouco diante do que senti. Preferi tirar a própria vida a encarar meu pai e dizer que ele estava certo e que você não valia o chão lamacento que pisa.
Contempla-me Raul, pela última vez antes de atirar-se nos braços daquela mulher com a qual foi ao show, mentindo que iria para Buenos Aires. Sim, eu estava lá e presenciei boa parte de suas cenas amorosas "meu querido".
Você, como tantos outros, vão me julgar fraca por tomar a atitude que tomei, mas cada um conhece as forças que habitam em si mesmos e cada qual ignora o louco que reside em nós.
Desejo que seja infeliz Raul e que a vida lhe devolva em dobro cada lágrima de tristeza que derramei.
Eu vivi para ti Raul, embora de tua vida, verdadeiramente, nem um minuto me dedicastes.
Não me despedi de ninguém, muito menos de meus amados pais. Enviei-lhes uma carta pré-datada que em breve chegará em suas mãos, contendo minha despedida àqueles que de fato me amaram.
Veruska."

Raul, antes de comunicar o acontecido à família de Veruska, pegou o celular e ligou para Michelle contando-lhe, em prantos, o acontecido.
- Michelle, preciso de você ao meu lado nesse momento tão doloroso.
- Raul, lamento profundamente o acontecido, não desejava jamais esse desfecho.
- Eu também não queria que fosse assim meu amor. Havia planejado me separar normalmente e continuar a vida ao seu lado, me casando contigo.
- Raul, eu preciso lhe contar algo. Eu também menti a você. Sou casada, amo meu marido, não tenho intenção alguma de me separar dele e me unir a você Raul. Não pensei que você estivesse falando sério quando disse que pretendia que nos casássemos. Todas as vezes que não podia atender a seus telefonemas nem estar contigo era porque estava com meu marido. Achei que você e eu fôssemos apenas um caso de infidelidade de ambas as partes e nunca imaginei que você se apaixonaria por mim como dizia estar. Sempre pensei que fosse apenas parte de seu discurso conquistador. Lamento Raul, mas não devemos e nem quero mais lhe ver. O prédio onde você me buscava era apenas um disfarce, nunca morei ali e vou trocar meu número de telefone. Não quero me envolver de maneira alguma nessa tragédia. Desculpe Se você se apaixonou por mim e eu não. Seja mais cuidadoso com seus sentimentos Raul. Até nunca mais meu querido.
- Michelle!! não desligue... Michelle!! ... Michelle!!!

“Experimente lançar uma taça de cristal ao chão, depois peça desculpas e perdão e espere pra ver se os cacos se juntarão e ela ficará como antes” (Frase de autor desconhecido).

** Em breve a carta de Veruska a seus pais.
Lelo.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Pela última vez...

Sunset Village era uma cidade pequena, muito pequena, com pouco mais de quatro mil habitantes. O relógio ainda marcava pouco além das oito de uma manhã ensolarada e aquele calor insuportável já causava certo incômodo. À medida que o trem se aproximava da estação as lembranças inundavam seus pensamentos e sua alma como um enxame. O tempo havia parado para aquela cidade. Treze anos se passaram e praticamente nada havia mudado. A igreja continuava a mesma, necessitando de reparos, o centro comunitário onde aconteciam as quermesses implorava uma reforma urgente. O coreto da praça já não possuía mais os bancos que acomodavam os casais nas noites de romance em que a lua gentilmente derramava sua luz argentina revelando silhuetas abraçadas de lábios colados.

Laura deixara subitamente aquela cidade prometendo a si mesma que jamais retornaria. E não o faria se não houvesse um motivo mais forte que seu ódio e desprezo por algumas pessoas daquele lugar. Esse motivo tinha nome, endereço, carteira de identidade e a fazia suspirar desde que se conheceram mas os dramas familiares os empurraram para bem longe e a distância separou fisicamente o que a vontade de ambos unira há anos. À medida que o trem se aproximava da estação as lembranças invadiam lhe o coração e causavam-lhe uma dor sufocante. O trem foi parando lentamente mas, em contrapartida, seu coração acelerava. O barulho estridente das rodas freando sobre os trilhos lhe trouxera momentaneamente à realidade. Ajeitou o vestido, os cabelos, retocou o batom, levantou-se, pegou a nécessaire e a pequena bolsa de viagem pois não pretendia demorar-se. Desceu lentamente, olhou à sua volta, ninguém a aguardava, aliás, ninguém sabia de sua vinda.
Heitor era alegre, inteligente, divertido, sempre fora cheio de vida, adorava praticar esportes, principalmente os radicais, adorava ler, escrever, era um aficionado por música e geralmente se comunicava através delas. Era muito estudioso e se interessava por praticamente tudo que fosse cultural e amava aprender, mesmo que nenhuma relação houvesse com sua profissão. Tinha olhos brilhantes, cheios de vida, castanhos claros como o mel e um sorriso que dançava em seus lábios durante todo o dia, mesmo se sangrasse em chagas seu coração, Heitor sorria. Há quase quatro anos Heitor perdera seu pai numa disputa contra o câncer. Há seis meses, uma profunda tristeza se apoderou de Heitor, vinda do nada, como uma nuvem sombria que cobria seus dias, silenciava suas brincadeiras e arqueavam levemente aqueles lábios que sempre sorriam e agora não mais. Há seis meses, insistente, constante, inescrupulosa, a depressão rondava Heitor. Há seis meses, escondendo de todos, Heitor recebera o mesmo diagnóstico que seu pai. Não se entregou, mas decidiu lutar sozinho, sem preocupar as pessoas à sua volta. Se a morte vem suave como um véu, que o alcance assim, sem alardes, sem infligir sofrimento aos que o querem bem.
Laura apertou entre os dedos de sua mão que suava frio, aquele pedaço de papel... um telegrama que dizia o seguinte: "Laura vg venha depressa ver Heitor pt está muito mal vg deprimido vg em estado terminal pelo câncer embora seja indolor como o que acometeu seu pai pt certamente ele gostara muito de te ver novamente pt o endereço dele eh o mesmo pt". Era incrível como um simples pedaço de papel transformou sua vida repentinamente. Não seria fácil, sabia, contemplá-lo sem que as emoções a dominassem. Intimamente ela sabia que algo estava errado. Conversavam quase todos os dias mas há algumas semanas Laura o percebera triste. O telegrama só veio confirmar suas suspeitas de que algo não estava bem.
Heitor morava próximo, aliás, nada era longe naquela cidade tão minúscula. Embora a cidade contasse com serviços de táxi Laura decidira caminhar até a casa de Heitor. Passou diante de um prédio onde houvera uma sorveteria chamada "Beijo Frio" na qual passeavam nas tardes de domingo para saborearem um sundae, banana split ou milk shake e também fora palco de beijos ardentes e demorados. A floricultura ainda permanecia aberta e vendia os mesmos arranjos de treze anos com pouca inovação. A pizzaria onde frequentavam após as sessões de cinema e o teatro sempre em reformas. Era mais um dia para Heitor, que continuava dormindo muito tarde pois o sono não chegava. Ligava a TV, passeava pelos canais, não encontrava nada que lhe interessava e então desistia da TV e lia um livro. Arrependia-se no dia seguinte quando o despertador lhe sacodia mas todos os dias eram assim. Tomava seu café e saía para trabalhar. Heitor emagrecia. A doença o impedia de ganhar peso, drenava suas forças e o fragilizava física e emocionalmente atirando-o numa crise depressiva sem precedentes.
A casa era aquela. Passou por reformas, mudou a fachada, mas era aquela. Os traços arquitetônicos não mudaram. Laura deteve-se por alguns instantes diante do portão, recordou todas as vezes que ali chegavam, ele abria o portão, entravam de mãos dadas ou abraçados, ele com seu jeito de menino lhe fazendo cócegas nas costelas e passando correndo à sua frente, até o jardim, onde colhia uma flor qualquer, estendia a mão e a colocava em seus cabelos. Ele a tratava como uma Rainha e ela se sentia a própria em sua vida. Como Laura chegara mais cedo, sabia que ele trabalhava até o final do dia, foi caminhar pela vizinhança, resgatando na memória os bons momentos vividos e tantos outros que deixara de viver. Laura fez escolhas erradas em relação a Heitor e agora, separados, percebia isso. A notícia da doença de Heitor a pegara de surpresa e todo esse peso da distância e de seu rompimento com ele parecia um elefante caminhando sobre seu coração, esmagando-o sem piedade.
Laura percebera naquele instante o quanto valorizou pouco a relação que teve com Heitor. A ideia do "nunca mais" a aterrorizava. A morte não era uma ideia bem aceita por ela. O "nunca" era tempo demais e Laura sempre que se deparava com essa grandeza, tentava colocar um limite ao "nunca", refutando a ideia de que isso era eterno, que jamais sentiria novamente aqueles lábios doces colados aos seus, não se perderia na coloração de mel de seus olhos, não sentiria aquela pele cheirosa e macia em contato com a sua, não teria aquelas mãos que a seguravam firmes e ao mesmo tempo eram tão cariciosas no trato com a geografia de seu corpo. Jamais poderia novamente deitar seu rosto em seu peito e adormecer em seus braços vendo o dia raiar e ser acordada com um beijo carinhoso e café na cama, nem ajudá-la na tradução dos seus textos técnicos em inglês ou salvá-la nas suas dúvidas com a tecnologia, nem preparar sua salada preferida, tampouco amá-la como somente ele sabia fazê-lo, enfim, a palavra "nunca" a apavorava, afinal, sua alma gêmea estava partindo e ela não podia fazer nada para impedir isso.
Quando ela o avistou chegando em casa, seus olhos ainda estavam vermelhos e lacrimejando. Todo o amor que ele lhe dedicou deveria ter sido o bastante, mas não foi e agora ela teria que encarar a dura realidade. Caminhou lentamente ao seu encontro, parou diante do portão e deixou que ele se aproximasse. De longe ela viu aquele sorriso aberto estampado em seu rosto, seus olhos brilharam como faróis quando a viu e seus braços a envolveram naquele abraço de Urso apertado e que a acolhia por completo. Talvez fosse o último... Laura não sabia... quem sabe? a vida não marca a hora da despedida, portanto Laura queria viver intensamente aqueles momentos ao seu lado, pois no dia seguinte poderia ser impossível sentir todo aquele amor que mesmo diante da decisão dela de terminar o relacionamento, jamais diminuíra ou enfraquecera. Aquela poderia ser a última tarde, a última noite, o último beijo, a última vez.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

The Gentleman

                Embora Jim não gostasse de redes sociais, resolveu cadastrar-se em um daqueles sites de relacionamentos, que prometem ajudá-lo a encontrar pessoas agradáveis e completamente compatíveis com seu perfil e modo de vida. Precisava criar um perfil, escolher ou não um apelido ou usar seu próprio nome. Mas usar seu nome soava estranho, falso (fake, como dizem no jargão da internet) afinal fora batizado como Jim Morrison pois seu pai era um fã incondicional da banda The Doors e resolvera homenageá-lo (ou castigá-lo) tornando seu primogênito um homônimo do líder daquela famosa banda. Resolveu adotar um pseudônimo para as redes sociais e escolheu “The Gentleman”. Isso mesmo, em inglês, assim já eliminaria da lista as pobres almas que não conseguissem sequer usar um tradutor do google para saber o que significava “The Gentleman”.
                A parte mais difícil era falar sobre si. O que escreveria a seu respeito? Não queria redigir um dossiê de sua vida. Não queria nada entediante. Acreditava que conhecia a si próprio mas falar de suas qualidades e defeitos o deixara completamente mudo e sem palavras. Se exaltasse muito suas qualidades poderia parecer esnobe; se exaltasse muito seus defeitos, poderia parecer piegas ou até mesmo assustar as futuras pretendentes. Escolheu o caminho do meio, como aconselha a sabedoria chinesa. Seu perfil ficou assim: “Homem maduro, inteligente, simples, sincero, um pouco impaciente, muito romântico, olhos cor de mel, 1.79 m., tipo físico atlético, praticante de esportes, sem vícios e solteiro”.
                As primeiras mensagens não demoraram a chegar, embora a maioria fossem apenas “Oi, tudo bem?”. Incrível como faltam assuntos para a grande maioria das pessoas.  Jim poderia classificar as mensagens em três categorias: desinteressantes, pouco atrativas, indiferentes. Raramente conseguia encontrar alguém que lhe prendesse a atenção. Jim acreditava que aquelas pessoas tinham os diálogos salvos em algum documento do word, com as perguntas prontas, bastando copiar e colar ali no chat, pois eram sempre as mesmas: “Onde mora?”, “Qual sua idade?”, “O que faz da vida?”, “Tem filhos?”, “Mora com quem?”. Surpreendente alguém acreditar que tais perguntas possam esclarecer algo a respeito da vida de quem quer que seja. Qual a relevância de saber “Onde mora?”, pergunta imediatamente seguida de uma exclamação “Muito longe!!” como se um relacionamento fosse possível somente entre vizinhos? - Ponderava Jim. Ainda mais estranhas eram as frases do tipo “Onde costuma ir? Quais barzinhos?” – Como assim, quais barzinhos? Não há outras opções? Em dúzias e mais dúzias de mensagens, somente uma pessoa perguntou se “Gosta de teatro? Cinema?”, as demais vangloriavam-se de “Sair para tomar umas”. Jim não bebia... socialmente apenas... e olha lá, pois não procurava uma parceira de bar nem tampouco queria alguém que se embriagasse.
                Nesse universo de indivíduos, Jim aprendeu que a biodiversidade mental era muito mais abundante que imaginava, embora o ostracismo cultural fosse evidente na maioria das pessoas que conhecera, raros exemplares sobressaíam e conseguiam manter um diálogo que rompesse fronteiras de assuntos além dos bailes funks, shows de música sertaneja e telenovelas ou que o confundissem com psicólogo e despejassem suas frustrações com o último namorado ou seus problemas domésticos com os filhos. Jim ficou receoso de que as pessoas procurassem um site de relacionamento não com o intuito de encontrar alguém mas apenas para que fossem ouvidas, pacientemente, por um estranho que não pudesse opinar (embora pedissem conselhos) mas que estivesse ali curando as chagas de suas vidas solitárias.
                Ela parecia um oásis em meio àquele deserto de opções saudáveis e interessantes. Seu perfil descrevia uma “Mulher madura, 27 anos, olhos claros, cabelos claros, em forma, pós-graduação, gosto de cinema, teatro, restaurantes, viajar, natureza, praticar esportes, ler e uma boa música com uma boa companhia”.  O papo foi agradável, fluiu normalmente e embora o gosto pela leitura não tenha ficado evidente nas conversas, ao menos “O Pequeno Príncipe” ela leu. Jim arriscou agendar um encontro em um shopping, em um sábado próximo.
                Com as férias escolares o shopping estava muito cheio, principalmente de adolescentes e famílias com crianças, aumentando o burburinho característico. Jim procurou uma mesa na área de alimentação e por sorte encontrou uma bem diante do elevador e da escada rolante que permitia o acesso à área de alimentação. Jim chegara mais cedo, claro, pois jamais faria alguém esperar por ele, ainda mais no primeiro encontro. Como não haviam combinado o local exato, ligou e disse exatamente onde estaria, recebendo a confirmação de que em vinte minutos ela chegaria. Jim não tirava os olhos da escada e do elevador, as duas únicas vias de acesso ao lugar onde estava.  Cada mulher que subia, Jim observava. Torcia para que algumas fossem a que esperava e também para que outras passassem direto. Mas ela havia facilitado sua curiosidade e havia dito que usaria um vestido azul marinho, pouco acima dos joelhos e uma bolsa também azul. Não era muita coisa, mas servia como critério de eliminação.
                Jim nascera em uma família de recursos modestos, mas seus pais lhe deram o primordial, uma ótima educação e ambiente saudável, princípios e honestidade. Seus pais, embora semianalfabetos, sempre lhe compravam livros e Jim adorava ler, desde que fora alfabetizado, nunca parara de ler e sabe-se lá o porquê, seus escritores favoritos eram Fernando Pessoa e Gabriel García Marquez. Seu gosto pela leitura, música e artes sempre foram expressivos em sua infância e desde a adolescência Jim preferia as canções românticas às músicas que estavam na moda em sua juventude. O romantismo era nato naquele rapaz que observava seu irmão corresponder-se através de cartas (isso mesmo, cartas) com mulheres de todo o país. Incrivelmente elas respondiam e a cada semana o carteiro entregava dezenas de cartas. Já naquela época seu irmão usava, em suas cartas, o pseudônimo de “jovem triste”, que lamentavelmente veio a se comprovar durante sua introspectiva e solitária existência (que Deus o tenha).
                Primeiramente os cabelos castanhos dourados, como as nuvens iluminadas pelos primeiros raios de sol de uma manhã de outono, lambendo seus ombros nus como as águas de uma cascata de águas cristalinas e em seguida os olhos claros, contornados por uma sombra levemente esverdeada, lápis escuros marcando suas pálpebras, tornando ainda mais evidentes aqueles olhos quase translúcidos que ladeavam um nariz perfilado que repousava logo acima daqueles lábios carnudos e perfeitos, queixo angular, braços fortes, seios médios e beneficiados pelo seu decote em “V” que descia até a altura do abdômen firme e sem gordurinhas abdominais, cintura marcada pelo vestido justo ao corpo e que descia até pouco acima do joelho, evidenciando pernas que certamente praticavam aulas de musculação e, salto alto, caminhava delicada e graciosamente em sua direção. O colar e brincos com pedras escuras criavam um contraste naquela pele alva e de aparência sedosa, que caminhava em sua direção, abrindo um sorriso ainda tímido e contido.  Jim, de olhos grudados naquela silhueta que se dirigia até ele, sinalizou discretamente, levantou-se para recebê-la, convidando-a para sentar-se e iniciaram um longo diálogo a respeito de suas vidas.
                Duas semanas se passaram e Marianne aparentava ser uma pessoa centrada, madura, segura de si, carinhosa. Jim e Marianne se encontravam praticamente todos os dias, claro, pois o desconhecido, a conquista, as primeiras descobertas, tudo é muito encantador. Jim, que fazia jus ao apelido “The Gentleman” era calmo, sempre conversava com voz pausada e em tom baixo, atenuado, valorizava na vida o que realmente importa e agrega valores à sua vida. Marianne, ao final da quarta semana, não conseguia mais esconder que começara gostar de Jim. Luis Vaz de Camões estava correto quando escreveu “O amor é fogo que arde sem se ver” pois quando “acordamos” dos pensamentos ou dos sonhos, surpreendemos a nós mesmos apaixonados. Marianne, talvez, começara a sentir-se apaixonada por Jim, pois a paixão além de despertar os melhores sentimentos que temos guardados, também descobre as imperfeições que tentamos esconder. Com Marianne não foi diferente. Vítima de suas imperfeições, como todos as têm, Marianne começara mostrar-se muito ciumenta, criava e alimentava situações que só aconteciam em seus pensamentos e repentinamente mudava seu humor. Jim era um homem quase sempre bem-humorado e essa era uma característica que ele buscava numa mulher. Marianne, tentarei reproduzir o diálogo aqui, buscava, quando não existia, motivos para alimentar seus ciúmes e sua vontade intrínseca de brigar e discutir, como quando num dos passeios pelo shopping, aconteceu o seguinte:
- Jim, veja esse vestido.
- É bonito, Marianne. Gostei.
- Você gostou Jim?? Então você quer que eu use um vestido assim? Quer ver sua namorada vestida como uma “piriguete” num vestidinho curto assim?? É esse tipo de mulher que você quer ao seu lado Jim? Pois eu não sou assim não, se você quer sair com uma “piriguete”, pode procurar outra pessoa.
- Marianne, você me perguntou se eu gostei do vestido, eu apenas respondi que sim. Não necessariamente que queria que você usasse um, mas eu acredito que você ficaria bem nesse modelo. Além do mais o que define uma “piriguete” são suas condutas e não suas roupas. Existem “piriguetes” vestindo tailleur.
- Pois você nunca vai me ver usando um vestido assim Jim, pode procurar outra pessoa se você quer alguém que use um vestido sem-vergonha desses.
                Jim calou-se enquanto Marianne continuou seu sermão por alguns longos minutos enquanto caminhavam pelo shopping, até que Jim pediu gentilmente que Marianne encerrasse aquele assunto. Primeira discussão no prazo de poucas semanas. O assunto do vestido ainda veio à tona por Marianne nas duas semanas seguintes. Outros motivos, sempre banais, também surgiram no decorrer do tempo. A Marianne que nas duas primeiras semanas mal se importava com as ligações que Jim recebia dos amigos, já não conseguia mais ficar calada sem perguntar “Quem é que está te ligando?” nas demais. Marianne, que nunca fora adicionada por Jim à sua rede social, agora sentia necessidade de que Jim a adicionasse, pois queria “Ver as fotos das mulheres que estão no seu face”. Algumas outras situações semelhantes aconteceram nos dias seguintes e que antecederam o dia em que Jim olhou Marianne nos olhos e disse: “Marianne, você está ficando chata!”.
                Jim lembrou-se imediatamente da magnífica lição de Zaratustra: “Ditoso é o homem que pode zombar de si mesmo!” e começou a ponderar a respeito de sua solidão, se não estaria melhor sozinho do que agregando um “inferno” à sua vida. Por que as pessoas (homens e mulheres) em sua maioria são assim? Quadros belíssimos à primeira vista e aquarelas quando examinados mais atentamente. Não deveria ser o contrário? Não bajular tanto os olhos alheios, mas escancarar suas qualidades após se conhecerem? Ao menos aqueles que se deixam conhecer? Jim pensava exatamente dessa maneira. Claro que o primeiro contato é o visual, mas esse deveria durar muito pouco pois é efêmero. A verdadeira obra de arte de um ser humano encontra-se em sua alma, em sua personalidade, suas condutas e maneiras de lidar consigo e com as pessoas. Jim aprendera isso ao longo de sua vida. Por isso Jim era encantador, embora não fosse um homem que arrancasse interjeições por sua beleza. Não... Jim era charmoso, simpático, romântico, encantador como homem e como pessoa. Jim refletia sobre alguns aspectos dos relacionamentos. Por que as pessoas mudam? Por que a necessidade de sentir ciúmes? Se alguém está com uma pessoa é porque assim o quer, caso contrário estaria com outra. Por que criar, fantasiar ou imaginar situações que despertem ciúmes? Se não confia em seu parceiro(a) o melhor a fazer é encerrar o relacionamento, seguir cada um seu caminho.
                Em sua experiência nas redes sociais, Jim conversou com diversas mulheres e conhecera algumas pessoalmente, mas, definitivamente, somente a convivência é capaz de derrubar máscaras, evidenciar personas, extrair das pessoas aquilo que elas escondem ou simulam nos primeiros encontros. Marianne ainda não era a pessoa certa para Jim, pois ainda faltava em Marianne a autoconfiança, a segurança de que era uma mulher bonita, inteligente e que não precisava ser tão ciumenta e briguenta. Jim levava uma vida tranquila, era totalmente irracional agregar a essa vida alguém que parecia sentir prazer em criar pequenas intrigas. Jim queria agregar paz e harmonia em sua vida, Marianne seria uma turbulência nela.
                Jim convidou-a para se encontrarem e diante de Marianne resolveu colocar um ponto final naquela incipiente relação. Olhou-a nos olhos, tomou suas mãos, respirou fundo e disse que queria encerrar aquela relação. Mesmo incipiente a relação, não é fácil para nenhuma das partes o rompimento. Mas é necessário. Pior seria levar adiante e apenas adiar o que um dia seria inevitável diante de todo o quadro que ali se desenhava. Jim fitou seus cabelos dourados, seus olhos claros e brilhantes, o rosto perfeitamente desenhado, o corpo esculpido à semelhança de Vênus, literalmente uma mulher muito bonita, mas isso não era tudo e a parte que faltou agregar à beleza daquela mulher foi determinante para que se separassem. O belo nem sempre está diante dos olhos.
                Jim deixou seu trabalho, no final de mais um dia de sexta-feira. O final de semana se aproximava. Uma vez mais Jim estaria sozinho. Chegou em seu apartamento naquela noite de sexta-feira, tomou um banho refrescante, olhou-se no espelho, sorriu para si, colocou seus fones de ouvido, escolheu um playlist de blues, pousou sua cabeça, em paz, no travesseiro, e adormeceu com um leve sorriso nos lábios.