Embora Jim não gostasse de redes
sociais, resolveu cadastrar-se em um daqueles sites de relacionamentos, que prometem ajudá-lo a encontrar pessoas
agradáveis e completamente compatíveis com seu perfil e modo de vida. Precisava
criar um perfil, escolher ou não um apelido ou usar seu próprio nome. Mas usar
seu nome soava estranho, falso (fake, como dizem no jargão da internet) afinal
fora batizado como Jim Morrison pois
seu pai era um fã incondicional da banda The
Doors e resolvera homenageá-lo (ou castigá-lo) tornando seu primogênito um
homônimo do líder daquela famosa banda. Resolveu adotar um pseudônimo para as
redes sociais e escolheu “The Gentleman”.
Isso mesmo, em inglês, assim já eliminaria da lista as pobres almas que não
conseguissem sequer usar um tradutor do google
para saber o que significava “The
Gentleman”.
A parte mais difícil era falar
sobre si. O que escreveria a seu respeito? Não queria redigir um dossiê de sua
vida. Não queria nada entediante. Acreditava que conhecia a si próprio mas
falar de suas qualidades e defeitos o deixara completamente mudo e sem
palavras. Se exaltasse muito suas qualidades poderia parecer esnobe; se
exaltasse muito seus defeitos, poderia parecer piegas ou até mesmo assustar as futuras pretendentes. Escolheu o
caminho do meio, como aconselha a sabedoria chinesa. Seu perfil ficou assim: “Homem
maduro, inteligente, simples, sincero, um pouco impaciente, muito romântico,
olhos cor de mel, 1.79 m., tipo físico atlético, praticante de esportes, sem
vícios e solteiro”.
As primeiras mensagens não
demoraram a chegar, embora a maioria fossem apenas “Oi, tudo bem?”. Incrível
como faltam assuntos para a grande maioria das pessoas. Jim poderia classificar as mensagens em três
categorias: desinteressantes, pouco atrativas, indiferentes. Raramente
conseguia encontrar alguém que lhe prendesse a atenção. Jim acreditava que aquelas
pessoas tinham os diálogos salvos em algum documento do word, com as perguntas prontas, bastando copiar e colar ali no
chat, pois eram sempre as mesmas: “Onde mora?”, “Qual sua idade?”, “O que faz
da vida?”, “Tem filhos?”, “Mora com quem?”. Surpreendente alguém acreditar que
tais perguntas possam esclarecer algo a respeito da vida de quem quer que seja.
Qual a relevância de saber “Onde mora?”, pergunta imediatamente seguida de uma
exclamação “Muito longe!!” como se um relacionamento fosse possível somente
entre vizinhos? - Ponderava Jim. Ainda mais estranhas eram as frases do tipo “Onde
costuma ir? Quais barzinhos?” – Como assim, quais barzinhos? Não há outras
opções? Em dúzias e mais dúzias de mensagens, somente uma pessoa perguntou se “Gosta
de teatro? Cinema?”, as demais vangloriavam-se de “Sair para tomar umas”. Jim não
bebia... socialmente apenas... e olha lá, pois não procurava uma parceira de
bar nem tampouco queria alguém que se embriagasse.
Nesse universo de indivíduos,
Jim aprendeu que a biodiversidade mental era muito mais abundante que
imaginava, embora o ostracismo cultural fosse evidente na maioria das pessoas
que conhecera, raros exemplares sobressaíam e conseguiam manter um diálogo que
rompesse fronteiras de assuntos além dos bailes funks, shows de música
sertaneja e telenovelas ou que o confundissem com psicólogo e despejassem suas
frustrações com o último namorado ou seus problemas domésticos com os filhos.
Jim ficou receoso de que as pessoas procurassem um site de relacionamento não
com o intuito de encontrar alguém mas apenas para que fossem ouvidas,
pacientemente, por um estranho que não pudesse opinar (embora pedissem
conselhos) mas que estivesse ali curando as chagas de suas vidas solitárias.
Ela parecia um oásis em meio
àquele deserto de opções saudáveis e interessantes. Seu perfil descrevia uma “Mulher
madura, 27 anos, olhos claros, cabelos claros, em forma, pós-graduação, gosto
de cinema, teatro, restaurantes, viajar, natureza, praticar esportes, ler e uma
boa música com uma boa companhia”. O
papo foi agradável, fluiu normalmente e embora o gosto pela leitura não tenha
ficado evidente nas conversas, ao menos “O Pequeno Príncipe” ela leu. Jim
arriscou agendar um encontro em um shopping, em um sábado próximo.
Com as férias escolares o
shopping estava muito cheio, principalmente de adolescentes e famílias com
crianças, aumentando o burburinho característico. Jim procurou uma mesa na área
de alimentação e por sorte encontrou uma bem diante do elevador e da escada
rolante que permitia o acesso à área de alimentação. Jim chegara mais cedo,
claro, pois jamais faria alguém esperar por ele, ainda mais no primeiro
encontro. Como não haviam combinado o local exato, ligou e disse exatamente
onde estaria, recebendo a confirmação de que em vinte minutos ela chegaria. Jim
não tirava os olhos da escada e do elevador, as duas únicas vias de acesso ao
lugar onde estava. Cada mulher que
subia, Jim observava. Torcia para que algumas fossem a que esperava e também
para que outras passassem direto. Mas ela havia facilitado sua curiosidade e
havia dito que usaria um vestido azul marinho, pouco acima dos joelhos e uma
bolsa também azul. Não era muita coisa, mas servia como critério de eliminação.
Jim nascera em uma família de
recursos modestos, mas seus pais lhe deram o primordial, uma ótima educação e
ambiente saudável, princípios e honestidade. Seus pais, embora semianalfabetos,
sempre lhe compravam livros e Jim adorava ler, desde que fora alfabetizado,
nunca parara de ler e sabe-se lá o porquê, seus escritores favoritos eram
Fernando Pessoa e Gabriel García Marquez. Seu gosto pela leitura, música e
artes sempre foram expressivos em sua infância e desde a adolescência Jim
preferia as canções românticas às músicas que estavam na moda em sua juventude.
O romantismo era nato naquele rapaz que observava seu irmão corresponder-se
através de cartas (isso mesmo, cartas) com mulheres de todo o país.
Incrivelmente elas respondiam e a cada semana o carteiro entregava dezenas de
cartas. Já naquela época seu irmão usava, em suas cartas, o pseudônimo de “jovem
triste”, que lamentavelmente veio a se comprovar durante sua introspectiva e
solitária existência (que Deus o tenha).
Primeiramente os cabelos
castanhos dourados, como as nuvens iluminadas pelos primeiros raios de sol de
uma manhã de outono, lambendo seus ombros nus como as águas de uma cascata de
águas cristalinas e em seguida os olhos claros, contornados por uma sombra
levemente esverdeada, lápis escuros marcando suas pálpebras, tornando ainda
mais evidentes aqueles olhos quase translúcidos que ladeavam um nariz perfilado
que repousava logo acima daqueles lábios carnudos e perfeitos, queixo angular,
braços fortes, seios médios e beneficiados pelo seu decote em “V” que descia
até a altura do abdômen firme e sem gordurinhas abdominais, cintura marcada
pelo vestido justo ao corpo e que descia até pouco acima do joelho,
evidenciando pernas que certamente praticavam aulas de musculação e, salto
alto, caminhava delicada e graciosamente em sua direção. O colar e brincos com
pedras escuras criavam um contraste naquela pele alva e de aparência sedosa,
que caminhava em sua direção, abrindo um sorriso ainda tímido e contido. Jim, de olhos grudados naquela silhueta que se
dirigia até ele, sinalizou discretamente, levantou-se para recebê-la,
convidando-a para sentar-se e iniciaram um longo diálogo a respeito de suas
vidas.
Duas semanas se passaram e
Marianne aparentava ser uma pessoa centrada, madura, segura de si, carinhosa.
Jim e Marianne se encontravam praticamente todos os dias, claro, pois o
desconhecido, a conquista, as primeiras descobertas, tudo é muito encantador.
Jim, que fazia jus ao apelido “The
Gentleman” era calmo, sempre conversava com voz pausada e em tom baixo,
atenuado, valorizava na vida o que realmente importa e agrega valores à sua
vida. Marianne, ao final da quarta semana, não conseguia mais esconder que começara
gostar de Jim. Luis Vaz de Camões estava correto quando escreveu “O amor é fogo
que arde sem se ver” pois quando “acordamos” dos pensamentos ou dos sonhos, surpreendemos
a nós mesmos apaixonados. Marianne, talvez, começara a sentir-se apaixonada por
Jim, pois a paixão além de despertar os melhores sentimentos que temos
guardados, também descobre as imperfeições que tentamos esconder. Com Marianne
não foi diferente. Vítima de suas imperfeições, como todos as têm, Marianne
começara mostrar-se muito ciumenta, criava e alimentava situações que só
aconteciam em seus pensamentos e repentinamente mudava seu humor. Jim era um
homem quase sempre bem-humorado e essa era uma característica que ele buscava
numa mulher. Marianne, tentarei reproduzir o diálogo aqui, buscava, quando não
existia, motivos para alimentar seus ciúmes e sua vontade intrínseca de brigar
e discutir, como quando num dos passeios pelo shopping, aconteceu o seguinte:
- Jim, veja esse
vestido.
- É bonito,
Marianne. Gostei.
- Você gostou
Jim?? Então você quer que eu use um vestido assim? Quer ver sua namorada
vestida como uma “piriguete” num
vestidinho curto assim?? É esse tipo de mulher que você quer ao seu lado Jim?
Pois eu não sou assim não, se você quer sair com uma “piriguete”, pode procurar outra pessoa.
- Marianne, você
me perguntou se eu gostei do vestido, eu apenas respondi que sim. Não necessariamente
que queria que você usasse um, mas eu acredito que você ficaria bem nesse
modelo. Além do mais o que define uma “piriguete”
são suas condutas e não suas roupas. Existem “piriguetes” vestindo tailleur.
- Pois você
nunca vai me ver usando um vestido assim Jim, pode procurar outra pessoa se
você quer alguém que use um vestido sem-vergonha desses.
Jim calou-se enquanto Marianne
continuou seu sermão por alguns longos minutos enquanto caminhavam pelo
shopping, até que Jim pediu gentilmente que Marianne encerrasse aquele assunto.
Primeira discussão no prazo de poucas semanas. O assunto do vestido ainda veio
à tona por Marianne nas duas semanas seguintes. Outros motivos, sempre banais,
também surgiram no decorrer do tempo. A Marianne que nas duas primeiras semanas
mal se importava com as ligações que Jim recebia dos amigos, já não conseguia
mais ficar calada sem perguntar “Quem é que está te ligando?” nas demais.
Marianne, que nunca fora adicionada por Jim à sua rede social, agora sentia
necessidade de que Jim a adicionasse, pois queria “Ver as fotos das mulheres
que estão no seu face”. Algumas outras situações semelhantes aconteceram nos
dias seguintes e que antecederam o dia em que Jim olhou Marianne nos olhos e
disse: “Marianne, você está ficando chata!”.
Jim lembrou-se imediatamente da
magnífica lição de Zaratustra: “Ditoso é o homem que pode zombar de si mesmo!” e
começou a ponderar a respeito de sua solidão, se não estaria melhor sozinho do
que agregando um “inferno” à sua vida. Por que as pessoas (homens e mulheres)
em sua maioria são assim? Quadros belíssimos à primeira vista e aquarelas quando
examinados mais atentamente. Não deveria ser o contrário? Não bajular tanto os
olhos alheios, mas escancarar suas qualidades após se conhecerem? Ao menos
aqueles que se deixam conhecer? Jim pensava exatamente dessa maneira. Claro que
o primeiro contato é o visual, mas esse deveria durar muito pouco pois é
efêmero. A verdadeira obra de arte de um ser humano encontra-se em sua alma, em
sua personalidade, suas condutas e maneiras de lidar consigo e com as pessoas.
Jim aprendera isso ao longo de sua vida. Por isso Jim era encantador, embora
não fosse um homem que arrancasse interjeições por sua beleza. Não... Jim era
charmoso, simpático, romântico, encantador como homem e como pessoa. Jim
refletia sobre alguns aspectos dos relacionamentos. Por que as pessoas mudam?
Por que a necessidade de sentir ciúmes? Se alguém está com uma pessoa é porque
assim o quer, caso contrário estaria com outra. Por que criar, fantasiar ou imaginar
situações que despertem ciúmes? Se não confia em seu parceiro(a) o melhor a
fazer é encerrar o relacionamento, seguir cada um seu caminho.
Em sua experiência nas redes
sociais, Jim conversou com diversas mulheres e conhecera algumas pessoalmente,
mas, definitivamente, somente a convivência é capaz de derrubar máscaras, evidenciar
personas, extrair das pessoas aquilo que elas escondem ou simulam nos primeiros
encontros. Marianne ainda não era a pessoa certa para Jim, pois ainda faltava
em Marianne a autoconfiança, a segurança de que era uma mulher bonita, inteligente
e que não precisava ser tão ciumenta e briguenta. Jim levava uma vida
tranquila, era totalmente irracional agregar a essa vida alguém que parecia
sentir prazer em criar pequenas intrigas. Jim queria agregar paz e harmonia em
sua vida, Marianne seria uma turbulência nela.
Jim convidou-a para se
encontrarem e diante de Marianne resolveu colocar um ponto final naquela
incipiente relação. Olhou-a nos olhos, tomou suas mãos, respirou fundo e disse
que queria encerrar aquela relação. Mesmo incipiente a relação, não é fácil
para nenhuma das partes o rompimento. Mas é necessário. Pior seria levar
adiante e apenas adiar o que um dia seria inevitável diante de todo o quadro
que ali se desenhava. Jim fitou seus cabelos dourados, seus olhos claros e
brilhantes, o rosto perfeitamente desenhado, o corpo esculpido à semelhança de
Vênus, literalmente uma mulher muito bonita, mas isso não era tudo e a parte
que faltou agregar à beleza daquela mulher foi determinante para que se
separassem. O belo nem sempre está diante dos olhos.
Jim deixou seu trabalho, no
final de mais um dia de sexta-feira. O final de semana se aproximava. Uma vez
mais Jim estaria sozinho. Chegou em seu apartamento naquela noite de
sexta-feira, tomou um banho refrescante, olhou-se no espelho, sorriu para si,
colocou seus fones de ouvido, escolheu um playlist de blues, pousou sua cabeça,
em paz, no travesseiro, e adormeceu com um leve sorriso nos lábios.