quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Quando vem da alma

Volta teu semblante abandonado
para teu peito, em chagas, aberto
e condena teu coração apaixonado
à solidão, no teu escuro deserto

Sorri, amarelo, esse gosto de fel
e engole seco a palavra emudecida,
jamais escrita nesse amarelo papel
já esquecido num canto da vida

Mas renova-te, agora que tua poesia
o abraça desde longe e te abranda
esses olhos que docemente um dia
se encheram de amor e esperança

Ouve essa voz, com muita atenção
que inunda tua noite com calma
e fala mansa e doce ao teu coraçao
pedindo respostas à tua alma

Entrega teu sonho ao sono profundo
e cuida de acordar para a nova realidade.
Sinceridade não é virtude de todo mundo
nem tampouco amar... de verdade.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Crônica de um natal anunciado...

     As luzes formavam uma constelação à parte na fachada das casas, nas árvores, nas ruas, prédios, as lojas decoradas e coloridas e em algumas ouvia-se o tradicional "ho ho ho" de um velhinho vestindo um pijama vermelho e de longas barbas brancas que sobrevoava as casas em um trenó puxado por renas (voadoras?) e atirando presentes pelas chaminés das casas habitadas por crianças sonhadoras que mal conseguiam dormir na expectativa de que no dia seguinte pudessem encontrar seus presentes ao pé da cintilante árvore natalina, cuidadosamente deixados pelo bom velhinho. 

     A mesa, ainda por tirar, denunciava o banquete da noite anterior, a torta ainda intacta, as taças vazias, algumas uvas e frutas permaneciam intocadas em contrapartida ao devastado peru de natal. Esse era o panorama na quase totalidade dos lares. No dele não. 

     Seu último natal açoitara-lhe a lembrança. Não passava das dezoito horas, a movimentação nas casas vizinhas à sua, risos, gargalhadas, mas na sua o silêncio era total, quase fazia neve, não pelo frio do clima, mas pela ausência de alegria e desses sentimentos todos que ele não queria se lembrar. Isso o deprimia. 

     Seus filhos costumavam passar a noite de natal com a mãe e o dia seguinte com ele, sua mãe dormia muito cedo, então ele sempre almoçava no dia seguinte com ela. A lacuna da noite de natal persistia. 

     Ele preparou com cuidado a mesa, dispôs um prato com talheres somente, uma taça e um copo. Sentou-se ao piano e tocou melancolicamente sua canção favorita no final de ano, "Silent Night - 7 O'Clock news" de Simon & Garfunkel ( http://www.youtube.com/watch?v=WgYFXCUEL4Y ). 

     Esse ano seria diferente. Aguardou o entardecer, contemplou uma vez mais o sol se debruçar por trás da linha do horizonte dourando toda a paisagem que podia avistar da janela do seu quarto, no décimo primeiro andar, até que a última luminosidade se apagasse nas nuvens cinzentas que anunciavam uma iminente chuva. Acendeu um incenso, as velas aromáticas que dispusera na cozinha, copa e banheiro. Tomou seu banho quente, sentindo a água do chuveiro lavar as lágrimas que rolavam em seu semblante de sobrancelhas levemente arqueadas para baixo e seus lábios indiferentes e retilíneos. 

     Antes de sair, sentou-se à mesa, tomou um bloco de papel e rabiscou algumas palavras, destacou a folha e colocou-a na estante da sala, num local em destaque, ao lado de suas medalhas de corrida, seu ultimo hobby. 

     A noite caiu como um pesado véu escuro e cinzento trazendo uma chuva fina e contínua que refletia as cores no asfalto molhado. Ele camnhou durante um tempo sem rumo, recordando, enquanto seus passos o levavam alhures, tudo que vivera até ali. O aroma das folhas molhadas das árvores se misturavam com o aroma da ceia sendo preparada na vizinhança. Ele parou na ponte do rio que passava próximo à sua casa, debruçou-se sobre o parapeito  e observou pensativo as águas que passavam em fortes corredeiras sob a ponte, devido às chuvas constantes nessa época do ano. 

     Aos poucos as canções natalinas, os risos, o aroma da ceia, as luzes, o burburinho das crianças brincando, as pessoas cantando, tudo foi ficando para trás, diminuindo pouco a pouco, até sucumbirem de vez assim como suas lágrimas, melancolia, tristeza, más lembranças, recordações e frustrações e poucas alegrias a que tivera direito nessa sua existência.

Feliz Natal a você.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Somente hoje...

...quero o sabor único da maçã.
Hoje quero ouvir aquelas músicas antigas, que costumava ouvir na juventude.
Hoje quero o sabor da melancolia que se esconde em cada lembrança.
Hoje quero recordar o sabor dos lábios que já beijei, dos vinhos que já provei,
dos lençóis que já desfiz dos risos que já sorri.
Hoje quero degustar com sabedoria o fel que me amargou, as noites que não dormi,
o céu que não contemplei as lágrimas que verti.
Hoje quero cantar baixinho aquela música que compus com versos que não rimei e gritar as frases que não citei.
Hoje quero abrir a janela e contemplar a noite sem estrelas com a certeza que estão ali, escondidas pelas tempestuosas nuvens que não me amedrontam mais.

Hoje quero dizer adeus sem magoar meu coração e me despedir de tudo que me fez
nublar os olhos.
Hoje quero rasgar aquelas fotografias que me torturavam a lembrança e me desapegar.
Hoje quero abrir um vinho, trocar minha canção favorita e brindar sozinho.
Hoje quero me bastar, despojar das muletas de sentimentos e crer que para ser feliz
não preciso do passado.
Hoje quero voar com as asas construídas com cada palavra de carinho que meus amigos
e afetos me disseram.
Hoje quero amar e ser amado com a mesma intensidade. Não admito mais meios amores
pois não ofereço metade do meu.
Hoje quero ler um livro, ver um filme, me sentar à beira de um lago e me deitar na grama e fixar o olhar num ponto qualquer do infinito.
Hoje quero o cheiro do capim gordura e da terra, molhados.
Hoje quero o calor do verão que me faz suar e o frio do inverno que congela meus ossos.
Hoje quero saltar de base jump do prédio mais alto e planar sobre as cabeças alheias
que vagam inconscientes de si lá embaixo.
Hoje quero me olhar no espelho e tirar uma foto do meu semblante, para me lembrar
desse dia, quando ele acabar.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Na pizzaria...

...era novembro, com toda a chuva característica do final de ano. O dia começara nublado, cinzento, chuva fina e constante e da mesma maneira estava terminando. Ele saiu para comer algo após um cansativo dia de trabalho. A chuva fina não atrapalharia sua caminhada por cerca de três quadras até uma pizzaria próxima de sua casa. O asfalto molhado refletia as luzes à sua volta enquanto a chuva fina resvalava em seu sobretudo. A brisa fria e suave trazia os aromas de relva molhada, ar puro e refrescante. Alguns trovões esparsos e relâmpagos fugazes que traçavam desenhos no céu.

   Por pouco não encontrou uma mesa vaga, pois a chuva daquela noite pareceu ter enviado convites a todos para que saíssem de casa e se encontrassem naquele lugar. Ele aguardou até que alguma messa ficasse vaga. Enquanto isso foi convidado a se dirigir até o balcão e degustar um vinho acompanhado de torradas com alho tostadas na manteiga. Ainda saboreava o primeiro gole quando a viu chegar... cabelos castanho claro, ondulados, um pouco abaixo dos ombros, sobrancelhas grossas, desenhadas um pouco inclinadas para cima o que lhe conferia um ar enigmático e misterioso. Ela vestia um vestido preto, pouco acima dos joelhos, justo, com detalhes de renda no decote e outros detalhes em vemelho, um colar e brincos que pareciam bronze, mais despojados, sombra suave de cor laranja sobre as pálpebras e batom vermelho claro aparentando 1.70m de estatura, um pouco mais alta devido aos saltos altos.

   Não havia sequer um exemplar do sexo masculino que não a notasse, mesmo aqueles mais discretos que a devoravam pelos cantos dos olhos. Aquele caminhar seguro e altivo, com um rebolado sutil e atraente. Como não haviam mesas disponíveis ela foi convidada a aguardar no bar, assim como ele, que não conseguiu desgrudar os olhos daquela mulher que o hipnotizava cada vez mais à medida que se aproximava.

   Ele a cumprimentou com o olhar e acenou levemente com a cabeça, cedendo um espaço justamente ao seu lado, para que ela se acomodasse junto ao balcão. Ela sorriu de volta e se aproximou, parando ao seu lado, quando o cumprimentou. Naquele instante ele pôde deliciar-se com seu perfume que instalou-se ao seu redor como um bálsamo dos deuses, certamente misturado àquela pele alva e de aparência macia e sedosa. Ele tomou sua mão, cumprimentou-a levando sua mão aos lábios ao mesmo tempo que se inclinava um pouco para beijar sua mão, segurando suavemente seus dedos longilíneos de unhas coloridas e tez bem cuidada certamente com cremes hidratantes, pois a maciez era inconfundível.

   Como não havia mais nenhuma cadeira ali naquele balcão, ele prontamente levantou-se para que ela se acomodasse e sem perda de tempo chamou o garçom e ofereceu-lhe uma taça de vinho tinto seco. Apresentaram-se formalmente e conversaram animadamente. Ela era extremamente agradável, bem humorada, inteligente, de bem com a vida e como se não bastassem todas essas qualidades, muito linda. Logo vagou a primeira mesa e ele a convidou para sentar-se com ele, caso ela não estivesse esperando por alguém. Ela disse que estava em um namoro que mais parecia final de namoro, ainda em fase de decisões que poderiam levar ao final e rompimento do mesmo. Ele animou-se de certa forma, pois uma luz ao final do túnel é uma luz que existe e ele tentaria alcançá-la, pois há tempos não conhecia alguém que realmente lhe encantasse tanto, à primeira vista, como aquela musa que estava ali diante de si.

   Contaram suas histórias de vida, conheceram-se um pouco mais e quanto mais a conversa adiantava, mais encantado ele ficava. Entraria ou não nessa disputa? ficaria presente o tempo todo em seus dias lhe dando a atenção que ela merece e ele também desejaria para si todos os dias? Ele não sabia ao certo qual atitude tomar, apenas tinha a certeza de que estaria ao lado dela lhe dando apoio nessa fase difícil de decisões. Não importa qual decisão ela tome, obviamente ele torcia para que ela ficasse solteira e então ele teria caminho livre para tentar conquistá-la, mas se contrário fosse ela teria seu carinho e amizade de qualquer maneira (mas esse pensamento ele logo tratou de elinar de seu pensamento). Ele a queria para si, como sua namorada. Definitivamente.

   A noite avançou e após a pizza, ele a convidou para sairem para dançar ao final da semana. Mas isso ainda está por vir... por enquanto ela povoa e domina seus pensamentos noite e dia. E enquanto seu coração aguarda uma vaga para preencher o coração daquela musa ele não a deixará esquecê-lo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Quando felicidade escapa por entre os dedos...

...a frase ficou por aí, interrompida, informalmente até.

   Se não foram suficientes as vezes que ele a encontrou pessoalmente, olhou-a nos olhos, deu-lhe a oportunidade de desvendar e descobri-la nos os seus, então ele não sabia mais o que fazer ou como agir. Talvez porque não ocorreu aquela famosa química que acontece quando duas pessoas mutuamente atraídas se aproximam.

   Ela nunca encontrava tempo para vê-lo ou qualquer outro compromisso de última hora era suficiente para que ela adiasse ou desmarcasse. Ainda assim ele aguardava pacientemente por uma oportunidade de estreitá-la nos braços e fazê-la sentir-se segura quanto às suas intenções mesmo quando a via em fotos publicadas nas redes sociais em alguma confraternização com amigos, pois dava a entender que a escassez de tempo só valia para ele. Em cada evento importante em sua vida ele sempre esperava ansioso por vê-la comparecer... em vão. Nem de surpresa ela aparecia para alegrar seu coração. Ela não se importava. Não era importante para ela a felicidade dele. Seus compromissos eram muito mais importantes.

   Ela se sentia insegura quanto ao futuro, tinha medo de se entregar a um novo amor e sofrer, magoar-se, enfim. Relacionamentos passados não deveriam compor o panorama do atual, pois são indivíduos distintos, com todo um universo pessoal completamente diferente. Seria como assumir que o dia de amanhã será tão bom ou ruim quanto o de ontem. Se essa for a premissa de seus pensamentos, ela ficará sozinha pelo resto da vida tecendo comparações acerca do futuro, perdendo oportunidades verdadeiras de ser feliz junto a um grande amor. 

   Somente podemos contemplar o pôr do sol se estivermos dispostos a voltar nossos olhos para o exterior em direção à linha do horizonte onde o sol se põe através, ao menos, de uma janela. 

   Ela o rotulou como um qualquer quando lhe disse que não tinha o costume de "levar homens para minha casa" no dia que ele sugeriu assistirem a um filme, apenas pelo prazer de sua companhia e aproveitarem algum tempo juntos, preferindo ir a um local público, numa demonstração de total falta de confiança em seu caráter e integridade. O veneno contido nesse dardo doeu.

   Ele esperou que esses surtos infantis desaparecessem caso ela refletisse, mas como resposta só obteve o silêncio e uma desistência muda numa saída "à francesa" que o obrigou a essa interpretação.

   A vida segue adiante e não nos espera. Ela conhecerá outras pessoas e talvez alguma delas lhe inspire confiança suficiente para que ela abandone a síndrome de "bola de cristal" e não queira adivinhar ou viver o futuro, pois a vida acontece no tempo presente. As oportunidades de ser feliz não podem ser adiadas nem antecipadas. O momento é agora pois o futuro depende do hoje e o passado serve apenas como referência para evitarmos situações recorrentes.

   Quem vive no medo de ser feliz, perde as chances de sê-lo.

   Permita-se.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Só sei amar assim...

Amo sentir teus olhos brilhando quando descuidadamente levantas teu semblante e sorris quando encontras os meus.
Amo o perfume da flor, a profundeza da cor e degustar teu sabor.
Amo subir esse rio, passar a mão pela água enquanto remo e sentir molhar meus dedos, que refresca minha   alma. 
Amo afagar teus cabelos e sentir cada fio deslizar entre os dedos.
Amo deitá-la em meu colo e assistir TV, que na maioria das vezes nem percebo se está ligada ou não.
Amo desejar-te bom dia pois se realmente for o meu também será.
Amo cuidar de ti estreitando-te em meus braços e no silêncio desse acolhimento deixar meu coração dizer-   te as palavras que me enchem a boca e ainda não saíram.
Amo quando dizes "durma aqui hoje!" e a noite se torna tão pequena diante do quanto gostaria que   durasse.
Amo quando te ajudo a mudar um móvel de um lugar a outro pois as menores atividades, por menores que sejam, ao teu lado, são gigantescas em prazer só por fazê-las contigo.
Amo sentir tua mão pousar em minha coxa quando nos sentamos lado a lado e vou ao céu quando sinto tuas mãos a me afagar e acariciar o rosto.
Amo quando sentes sede à noite e posso levantar-me e buscar água pra ti.
Amo saber de tuas dores e tudo aquilo que não vai bem em tua vida, para juntos encontrarmos uma   solução.
Amo quando comigo deitas e meus beijos percorrem tua pele dos pés à cabeça no desejo imenso de te   amar e silenciosamente em lugar de "sim" tu sorris.
Amo ficar ao teu lado quando tens febre ou adoeces e tenho a oportunidade de cuidar de ti.
Amo quando o dia termina e saio do trabalho ansioso para encontrar teus braços, teus lábios, teus abraços.
Amo teus pijaminhas e tuas calcinhas nada sexy (sorriso) pois isso não tem relevância alguma quando a   verdadeira perfeição existe sob tais peças.
Amo quando tu te aprontas para sairmos e orgulhoso te estendo a mão para entrelaçar meus dedos aos teus e num sentimento de orgulho imenso desfilar contigo ao meu lado para que todos saibam que nos         pertencemos.
Amo quando vejo teu rosto aparecer numa ligação para meu celular, não me importa que hora seja.
Amo fazer planos de um futuro contigo e amo ainda mais saber que iremos realizar cada um deles.
É... eu amo.
E não sei amar de maneira diferente.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Reaja...


Quando o pensamento aponta e conta,
entre cada batida, histórias para si mesmo dormir
eis que se avulta no vil pranto ao partir
a lágrima do sentimento que ali não se encontra

Deita a saudade em cama de espinhos
da roseira que plantastes em tu'alma
e sorri da chaga aberta que não se acalma
na colheita que fizestes à beira do caminho

Não contentes tu com migalhas de amor
nem condenes teu coração, de amor, ao jejum
pois que o verbo amar não é lugar comum
que tampouco se conjuga com a tua dor

Mas levanta-te, pois que chega a aurora,
desenhe um sorriso na máscara do teu rosto
e não te esqueças, do beijo, o gosto
e acompanhe, de vez, o féretro do pranto de outrora.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Baú de decisões...

...ela subiu os degraus que a levavam ao sótão, lentamente, um por vez, destrancou a porta cuja fechadura ainda não havia sido trocada e a chave, pesada, estranha, mais parecida com um daqueles objetos medievais que ela via nos filmes, rangeu de forma estridente ao ser torcida. A porta, rangendo por falta de lubrificação nas dobradiças fez soar um estalo e ela a empurrou lentamente. Tentou acender uma lâmpada mas ela estava queimada. Foi tateando no escuro até encontrar um caminho pelo qual alcançasse a janela. Afastou a cortina de algodão, com três camadas de espessuras diferentes, sendo a última uma fina camada de renda e prendeu-a com uma fita de cetim que pendia das laterais de ambas as partes. A janela era de madeira com quadrantes de vidro transparentes embora a poeira dos anos não permitisse enxergar um palmo além daqueles vidros. Ela levantou a parte inferior da janela e uma brisa soprou levantando uma camada de poeira por todo lado. A claridade daquela manhã preencheu todo o recinto, dourando os móveis e objetos cobertos e protegidos por lençóis, desenhando um quadrado de luz no chão de madeira encerada e vermelha. Ela olhou à sua volta procurando pelo que foi ali buscar. O objeto, um pequeno baú de madeira estava guardado em um canto, não menos empoeirado. Ela o trouxe cuidadosamente para o local onde a luz era mais intensa, bem diante da janela, soprou a poeira sobre as duas presilhas que o fechavam.
     Num movimento quase ritual, ela abriu o baú lenta e cuidadosamente. Era um baú de madeira trabalhada, parecida com mogno, de fechaduras de metais inoxidáveis e forrado com uma flanela vermelha. Fotografias, recortes de jornais, cartas cuidadosamente dobradas, uma boneca de plástico vestida de noiva, bijouterias velhas, um vidro vazio de perfume (o primeiro que ela ganhara, um chanel 5, ainda na embalagem quadrada com a tampa preta de plástico) e uma caixa de música. Cada um daqueles objetos trazia um turbilhão de lembranças.
     Ela remexeu e olhou rapidamente os objetos no baú, tomou a caixa de música, branca, revestida de minúsculos cristais coloridos, torceu a borboleta que dava corda na caixinha e para seu espanto ela ainda funcionava perfeitamente. A música era "Danubio Azul" de Johann Strauss. Maneou a cabeça e colocou-a de lado. 
     Começou a olhar as fotografias ainda em preto e branco, tiradas na velha Polaroid de seu pai, já bastante amareladas pelo tempo. A primeira foto foto foi de um acampamento, onde conhecera Pablo, um menino de origem hispânica, olhos negros, cabelos cortados em franja, mais parecido com um curumim, porém seu sotaque que mixava o português com o espanhol a encantava, principalmente quando ele a chamava de "Hermosa", sem no entanto ela sequer imaginar o que significava e sempre que ela o perguntava, ele apenas sorria e respondia "vá procurar no dicionário". Coisa que ela nunca fez. 
     A segunda foto era de seus quinze anos. Ela se lembrou perfeitamente, embora a foto seja monocromática, de que usara um vestido amarelo-creme rodado, foi a primeira vez que fizera um penteado e usou uma maquiagem suave, o máximo que era permitido, naquela época, para sua idade. Não foi fácil vencer a timidez e convidar Pedro para dançarem a valsa. Ele havia se mudado para a sua rua há cinco meses. Nunca o vira namorando nenhuma garota do bairro, era sempre gentil e a cumprimentava também timidamente todas as vezes que se encontravam pela rua ou na mercearia onde costumavam comprar pães aos finais de tarde. Naquela noite de "debut" após dançarem, eles conversaram animadamente na companhia dos seus respectivos pais. Quando ela levantou-se para ir ao toalete, ele a seguiu e disfarçadamente disse a ela que o encontrasse no jardim em alguns minutos. Seria seu primeiro beijo na boca, se naquele momento ela não tivesse ponderado tantas coisas imponderáveis e inadequadas ao momento.
     Cada foto trazia à lembrança os momentos cruciais em que recuara diante de um possível romance. Medo, timidez, falta de tempo, ansiedade descontrolada, preciosismo, pudores exacerbados, enfim... sempre encontrava um motivo para adiar ou recuar até o momento em que realmente perdia as oportunidades e não mais era possível retroagir.
     Por fim ela retomou a caixinha de música, contemplou uma vez mais, demoradamente, aquele objeto, deu corda novamente para que a música repetisse, lembrou-se da última vez em que ela se encontrara com ele, dentro do carro, parados num posto de gasolina, próximos a sua casa, quando ela afagou seu rosto e disse que precisava de um tempo, para organizar sua vida que estava muito confusa. Não estipulou um prazo, não mensurou quanto tempo ela necessitaria para lhe dizer que sim ou não. Pediu que ele não se afastasse dela, mas não considerou o quanto seria difícil para ele conviver ao lado dela, desejando a cada dia, que ela olhasse em seus olhos e se entregasse a esse namoro. Ele não poderia prometer esperá-la indefinidamente. Coração é uma terra desconhecida e que, se não ocupada devidamente, pode ser arrebatada por outro que venha lhe ocupar integralmente. Ele disse que esperaria por ela até que seu coração fosse conquistado e embora ele não estivesse procurando quem quisesse ocupá-lo, mais cedo ou mais tarde apareceria alguém a quem ele não conseguiria resistir. Esse tempo está passando, ela sabe disso e como o perfume que não há mais no frasco de chanel, o vestido de noiva, amarelado, de sua boneca, as fotografias desbotadas, sua imagem pode desaparecer em definitivo do coraçao dele.
     Ela guardou novamente todos os objetos no baú, soprou a poeira, levou-o para baixo e deveria escolher entre mudar suas atitudes e buscar ser feliz, deixando que o tempo e um novo amor se encarregue de direcioná-la ou recuar novamente postergando oportunidades de ser feliz, dando corda na caixinha de música e delicadamente aprisionar seus sentimentos, coragem e atitudes para ser feliz ali dentro, ao som de "Danubio Azul". 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Onde moram as lembranças...

...o sol se debruçava sobre o horizonte, dourando as folhas do bordo de Stanley Park. Vancouver se preparava para os burburinhos noturnos, o rock frenético nos pubs, a chuva fina e característica daquela cidade deslumbrante refletia os últimos raios de sol daquele domingo que se estendera como um discurso facundo e triste.
     Ele chegou em casa, deteve-se por instantes ao portão da garagem, desligou o motor, desceu, olhou à sua volta e com o olhar triste, lembrou-se do dia anterior quando ela ficava ali lhe aguardando. Ela veio visitá-lo e ficaram juntos toda a semana. Almoçavam juntos todos os dias em um restaurante próximo a seu trabalho, para onde ela se deslocava todos os dias e o aguardava. Era quando seus olhos brilhavam, quando encontravam os dela, ali, aguardando-o com aquele sorriso bonito. Caminhavam juntos, atravessando todo o parque, sob a chuva fina e a brisa fria que anunciava o fim do outono e a chegada do inverno que logo alvejaria toda a paisagem com as camadas espessas de neve e, nesse ano, prometia ser mais rigoroso.
     Mesmo que o inverno os surpreendesse, não haveria neve suficiente para congelar o calor daquele abraço, daqueles lábios, daquele corpo macio e de contornos generosos que se fundiam ao seu em todas as noites que dormiam de conchinha, com seu braço sob sua cabeça e o outro a lhe envolver pela cintura, acariciando-a levemente, com um roçar de unhas que subiam pelas suas coxas até seus seios e retornavam suavemente seguindo sua geografia, até adormecerem. 
     Quando criança, ele morava em uma casa com quintal, muitas árvores e em particular gostava de observar uma delas na qual os pássaros contruíam seu ninho durante o verão. Carregavam os gravetos e trançavam os mesmos com paciência, ocupavam o ninho até o inverno e depois o abandonavam. Ele começava a enxergar sua vida amorosa como esses ninhos, ocupados temporariamente até que um inverno, seja na alma ou nas circunstâncias lhe despejava e o forçava a mudar-se dali... e perguntava-se: até quando?.
     Não foi fácil, naquela manhã de domingo, acompanhá-la até o aeroporto, mas ele queria ficar ao lado dela até o último instante do embarque. Ela despachou a bagagem, na qual guardara também lembranças, saudades e metade dele que ali partia junto. Ele não quis esperar para vê-la dirigindo-se ao embarque, preferiu ir embora, guardando na lembrança apenas o momento em que ela chegara, de sorriso lindo, lhe abraçando apertado e beijando-lhe os lábios, chegando naquele momento e partiria em uma semana, deixando seu perfume em seu travesseiro e seu coração.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Não é não...


http://www.youtube.com/watch?v=5-MT5zeY6CU )
...já passava de 4:00 h., quando a madrugada chegava a lhe incomodar com todo seu silêncio indiscreto. Ela estava sem sono e resolvera caminhar pelas ruas daquela pequena cidade do interior, onde passava alguns dias de suas férias. Era uma cidade pequena, aconchegante, construída no século dezenove. Suas ruas de paralelepípedos e as casas caiadas que refletiam a luz amarela das luminárias lhe concediam um aspecto ainda mais ermo de qualquer comparação com a grande metrópole onde ela vivia. Ela desceu vagarosamente por uma das estreitas ruas daquela cidade entrecortada por diversos riachos. Atravessou uma ponte de madeira apropriada para pedestres, sentou-se sobre o muro de proteção, de onde poderia avistar aquele riacho de águas cristalinas, desviando-se das pedras, com sua onomatopeia que em outras ocasiões a embalaria num sono profundo. 

     As raras nuvens brincavam de desenhar figuras em seu imaginário enquanto a lua se agigantava um pouco acima do horizonte. Os pássaros noturnos faziam coro àquele cenário desolado e ao mesmo tempo acolhedor. Ela olhou para a noite clara, juntou algumas pedrinhas ao seu redor e as arremessavam n 'água. Não era sem razão sua pequena peregrinação noite adentro, pois algumas atitudes reclamam por coragem e sensatez.

     Ela o conhecera há alguns anos, quando então tiveram um sólido affair que não evoluiu além da amizade e então se distanciaram. Havia química mas isso por si só não sustenta relacionamento algum embora seja muito importante que exista e haja reciprocidade. Ela não poderia dizer que o amava, pois não era verdade. O destino encarregou-se de afastá-lo e cada qual seguiu seu caminho. 

     Cinco anos depois ele reaparece, dizendo que a ama, que quer se casar e ter filhos. Ela já não gosta mais dele, pois os anos trataram de acomodar em um lugar bastante remoto os resquícios. Ela disse: Não!!! mas ele parecia não compreender as constantes negativas e insistia em reatar. Ela hesitou em algumas vezes, chegando até mesmo a ponderar um retorno. Mas como seria sem amá-lo? Amor não acontece com a mesma intensidade na mesma época e ao mesmo tempo. Mas ela não sabia como dizer não sem magoá-lo, mas não havia outra maneira de fazê-lo enxergar que tudo aquilo que ele sente é unilateral e relacionamento algum se sustentaria dessa forma.

     É... ela teria que ser mais contundente, caso queira fazer-se compreender. Enquanto o amor não acontece, ela aproveitaria a vida, porém, longe de uma casinha de bonecas.
  

     

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nem tudo que reluz...


...ela olhou para o celular e não encontrou nenhuma mensagem dele. Todos os dias ele lhe 
enviava mensagens logo ao acordar, desejando-lhe bom dia, enviando beijos, externando sua 
saudade. Porém, naquele dia, não. 

Ela sentou-se na cama, preocupada, pegou o celular e ligou para ele mas caiu na caixa postal. 
Ainda insistiu por diversas vezes, sem sucesso e também enviou-lhe mensagens. Olhou 
aflita para o despertador. Ainda eram 7:00 h. e ele só chegaria no trabalho às 8:00 h. Milhares de 
pensamentos açoitaram lhe naquele momento. Ele sempre ligava, mesmo quando viajava a 
trabalho, não deixava de ligar um dia sequer. Será que está bem? será que acidentou-se? afinal 
ele adorava motocicletas e não pilotava devagar. Será que perdeu a hora e ainda está dormindo? 
não, claro que não - refutou - o celular estaria ligado caso ainda estivesse dormindo, pois ele o 
usava como despertador. Os pensamentos mais equilibrados foram desaparecendo lentamente e 
cedendo lugar àqueles maliciosos e desconfiados. Não, ela não acreditava que ele pudesse 
estar com outra pessoa. Mas... e se estivesse?. Ela iria até lá... isso mesmo... ela precisava ir 
até lá e certificar-se de que ele estava realmente só em casa. Mas... quem poderia ser? aquela 
amiga de trabalho? talvez... eles sempre demonstraram uma amizade excessivamente 
carinhosa... aquelas amigas do facebook?... talvez... ele tem muitas amigas bonitas... mas qual 
delas seria? Ele sempre foi muito gentil, educado, carinhoso com todos que conhecia, um 
romântico e as mulheres reconheciam esse seu aspecto. Ah! mas ela descobriria... e ele ouviria 
poucas e boas. Como pode traí-la daquela maneira? Ela sempre fora fiel e leal ao seu amor. 

Seus olhos perderam o brilho da saudade e escureceram. Levantou-se da cama, foi até a estante da sala onde havia um cisne de cristal sobre a mesma. Ela fitou o cisne e as lembranças vieram à tona.

Era um dia de domingo ensolarado. A primavera chegara trazendo cores e alegria à soturna paisagem urbana. Ela abriu as janelas, vestiu uma malha para ginástica e foi caminhar à beira do lago. Seus cabelos presos, um boné para proteger-se do sol, calça de malha de cintura baixa, à altura de seu sinuoso quadril deixando sua barriga esculpida à mostra, top de malha que mal cumpriam seu papel de ocultar seus seios, tênis, um MP3, fones nos ouvidos e foi caminhar. Ela gostava de caminhar ali à beira do lago. Era um parque público, arborizado, com uma pista para caminhadas ao redor, um playground ao centro, bancos, quiosques onde vendiam água de coco, vitaminas, etc. Ao final do dia e pela manhã, muitas pessoas iam ali para caminhar, correr ou apenas passear. 

Ela já completara sua terceira volta naquela pista que media 2,5 Km de extensão. Já estava exausta e só não havia parado porque ele corria em sentido contrário, reduzia a passada a cada vez que cruzavam na pista. Desde longe ele já começava a fixar seu olhar em seus olhos. Na primeira volta, ela tirou o olhar, sustentou um pouquinho na segunda volta e na terceira ela queria que ele a fixasse, fizesse meia volta, emparelhasse a ela e começasse a conversar. Mas passou a terceira volta e nada, ele passou direto, fixando o olhar mas não se deteve. Ela continuou sua caminhada, parou nos aparelhos de ginástica para se alongar e já estava no final de seu alongamento, pronta para voltar pra casa quando ouviu uma voz grave, porém doce, às suas costas.
- Oi, como vai? já terminou?
Ela nem se virou de imediato, pois suas pernas definitivamente perderam as forças. Suas mãos congelaram e suaram ao mesmo tempo que seu coração retomou o ritmo acelerado e batia frenéticamente. Instintivamente ela sabia quem era quando virou o rosto e confirmou que sim, era ele quem estava ali parado ao seu lado, suado, convidativo como um banquete de feromonas. Ele era alto, seu rosto mal alcançava seu peito, estrutura física atlética, ligeiramente acima do peso, mas devia ser por isso que ele estava ali, correndo, mas seu olhar era doce, extremamente gentil e educado. As palavras não lhe saíam da garganta quando timidamente ela balbuciou alguma resposta. Após as devidas apresentações, começaram a conversar e foram caminhar bem ali próximo ao lago, sentindo a brisa fresca daquela manhã de domingo de primavera. Dali em diante, tudo seria perfeito. Na saída do parque, naquele dia em que se conheceram, ele comprou um cisne de cristal (era de vidro, feito artesanalmente por aquelas pessoas que vendiam artesanatos ali por perto), mas era bonito e delicado como cristal e pediu que o guardasse, como lembrança do dia em que se conheceram. Chegando em casa ela o colocou sobre a estante da sala, onde poderia vê-lo e recordar-se todos os dias.

Ela pegou o cisne, com os olhos irradiando raiva e atirou-o com força contra a parede, partindo-o em centenas de pedaços. Perdera seu valor, já não importava mais diante daquela traição. Por que ele não veio falar com ela antes de se atirar nos braços de outra? Ela não compreenderia, mas teria que aceitar suas decisões. Não se pode exigir o amor de ninguém nem pedir que jamais deixe de amá-la, mas ela esperava que ele encerrasse sua história com ela antes de iniciar um affair com outrem. Com o ódio estampado em seus olhos e coração, ela não ouviu quando a campainha de seu apartamento tocou, e muito menos ouviu seu celular tocando, esquecido lá no quarto. Quando percebeu que alguém fixara o dedo na campainha de seu apartamento e não mais tirou, fazendo soar incessantemente aquele barulho que lhe mexia com os nervos, foi atender impaciente. Quando abriu a porta, ele estava ali parado, um pouco assustado, um ramalhete de rosas e um presente cuidadosamente embrulhado em uma das mãos e uma cesta de café da manhã em outra, estático. Com uma expressão de espanto e um sorriso que demonstrava claramente não saber o que acontecia, ele estendeu a mão com o presente e o ramalhete de rosas e disse, em seu tom calmo e característico:
- Feliz aniversário meu amor! desculpe vir sem avisar mas queria lhe fazer essa surpresa e desejar-lhe um bom dia pessoalmente. 

Sim, ela havia se esquecido que era o dia de seu aniversário. 
Num canto da sala, espalhado precipitadamente em minúsculos pedaços, o cisne de cristal. 
Em seu coração, espalhados em minúsculos sentimentos, o remorso.

"Aprendi que para amar as virtudes e belezas de uma pessoa é necessário enxergar e 
compreender os defeitos e vicissitudes também. Sim, compreender... muito diferente de aceitar, 
que sinaliza passividade, enquanto a compreensão exige desprendimento e caminhar em 
direção ao outro."  (Carlinha)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Você sabe...

...quando é hora de deixar para trás certas lembranças e seguir adiante sem apego ao passado, sem lágrimas, sem rancores, sem o peso que lhe sufocou os ombros por dias, meses, anos.
...quando é hora de acordar, espreguiçar-se para a vida, alongar-se, recomeçar o dia que antes parecia nebuloso e cinzento mas o tempo, que cura tudo, tornou-o ensolarado e brilhante.
...que seus passos ainda podem não parecer seguros, mas quando seu caminho é consciente e seus objetivos são claros, seus joelhos não dobrarão.
...que nenhuma lágrima derramada foi em vão, pois é preciso "gastar" um sentimento, uma condição, uma situação, para que ela faça parte naturalmente de sua vivência e não um fato isolado que se torna um cacto repleto de espinhos a lhe ferir a alma.
...como alcançar e viver momentos felizes sem se iludir que a felicidade é um ponto no horizonte, mas sim, diversos deles, espalhados entre família, amigos e amores.
...que andar descalço na areia molhada é uma das inúmeras sensações e delícias que não lhe custam nada a não ser alguns passos firmes.
...que ainda vai ouvir muitas canções que lhe farão recordar, orvalhar seus olhos, sorrir ou até mesmo trocar a música, mas isso é parte do processo de reconciliação consigo mesmo(a).
...que poderá fechar os olhos, abrir os braços e abraçar a brisa fresca de qualquer lugar que queira ir sem que isso lhe onere a consciência.
...que tudo passa, tanto as coisas boas quanto as ruins e que o momento certo para vivê-las é exatamente o tempo presente.
...que um passo seguro, de cada vez, te levará muito mais adiante do que pular etapas importantes em todos os aspectos da vida.
...que todo seu esforço, dedicado seja ao que for, lhe renderá frutos e que a qualidade dos mesmos é diretamente proporcional aos objetivos dos mesmos.
...que dizer não, às vezes, é tão necessário e benéfico a quem ouve do que iludir com um sim que jamais teria a plenitude de sua vontade.
...que esperar é uma virtude que lhe poupará dissabores e tristezas, mas não deixe que essa espera se transforme em inércia ou marasmo, pois a vida segue e mais adiante talvez você descubra que essa espera não lhe importa mais.
...amor é uma via de mão dupla, onde recebe mais aquele que doa. Ame e dedique-se à pessoa amada sem esperar nada em troca pois isso virá naturalmente e caso não venha, absolutamente não foi você quem perdeu.
...que deve olhar-se no espelho e amar o que vê, pois se você não tem autoestima como espera ser amado por alguém?
...que está pronto para recomeçar quando já consegue seguir em frente e o caminho percorrido não lhe causa dor, mesmo que em alguns momentos você olhe para trás.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Naquela noite...

     O relógio preguiçoso marcava 18:00 quando ela, apressada, desligou seu computador, ajeitou os papéis sobre a mesa, abriu a gaveta, guardou as correspondências importantes, abriu a bolsa, tirou um estojo com um espelho, um batom vermelho, olhou-se, retocou o batom, ajeitou os cabelos, levantou-se e foi embora. Naquele dia decidira ir caminhando de volta para casa, uma vez que morava bem próximo ao seu local de trabalho. Era mulher bem-sucedida profissionalmente, excelente formação acadêmica, independente. Caminhava com elegância no patamar de suas sandálias de salto que combinavam com harmonia com sua bolsa. Não gostava de usar muitas jóias, apenas dois anéis e uma pulseira que realçavam suas mãos finas, graciosas e chamavam a atenção para suas unhas de esmalte brilhante e impecável.
     Observava, durante o trajeto, casais de mãos dadas, abraçados, trocando beijos e carícias. Ela esboçou um sorriso e acelerou o passo em direção à sua morada. Cumprimentou o porteiro do prédio, avançou rapidamente para o elevador, onde virou-se de perfil e olhou-se no espelho uma vez mais. Abriu a porta, suspirou profundamente, entrou e fechou a porta à sua retaguarda. Colocou a bolsa e as chaves sobre um aparador que ficava bem ali no hall de entrada. Finalmente estava em casa. Não, ninguém a esperava, sua alegria ao chegar em casa era justamente contrária ás suas expectativas pois morava sozinha e não tinha namorado, noivo, marido, companheiro, o que for. Sua alegria era justamente por chegar em casa e descansar o coração e os olhos das cenas felizes protagonizadas pelos casais transeuntes. Ela não tinha aquilo. 
     Era um apartamento espaçoso, confortável, de paredes claras, cortinas nas janelas, sofás macios, almofadas espalhadas sobre o mesmo, tapetes macios e impecavelmente limpos. Nas paredes, obras do Pernambucano Romero Brito, tentava quebrar a seriedade e a monotonia pigmentar que imperava em seus móveis. Sobre a estante da TV, um retrato seu, sorridente, alegre, feliz, quando tinha apenas 19 anos e sonhava encontrar grande amor, casar-se, ter filhos e que pudessem viver felizes. Mas isso é outra história. Foi até o bar, preparou uma bebida, colocou uma seleção de músicas (sempre a mesma) que costumava ouvir diariamente (a primeira era sempre "Estranha Loucura" de Alcione), tirou as sandálias, sentou-se no sofá, olhou pela vidraça panorâmica da sala de estar, por onde enxergava a noite abraçando a paisagem e pintando de vermelho o horizonte. Mais uma noite.
     Ela não tinha muitos amigos. Os poucos que tentara cultivar aproximavam-se por interesse ou outro motivo qualquer, mas não amizade. Ela no entanto, não pode culpá-los pois sempre foi dedicada ao trabalho e aos estudos, não se importando muito em estabelecer laços de amizades duradouras pois nunca tinha tempo para isso. Furtava-se de convites para ir ao cinema, teatro, passeios, viagens, até o dia em que cansados de convidá-la, foram deixando de fazê-lo. Evidentemente o mesmo acontecia com seus namorados ou pretendentes. Ela não sabia dividir adequadamente seu tempo. Fazia-se esperar. Tinha medo de que suas manias e hábitos fossem incompatíveis com quem quer que viesse a conhecer e estabelecer um relacionamento. Mas seria somente um namoro, não um casamento, tentava ponderar consigo mesma. 
     Seu coração assemelhava-se a um mosaico modernista, brincando em uma montanha russa. Tão retalhado, recortado, sofrendo altos e baixos, perdas e danos, desilusões e mágoas. A música que tocava, ecoava em sua'lma no refrão que mais parecia uma estrofe de sua vida escrita por si mesma "...eu acho que paguei um preço por te amar demais, enquanto pra você foi tanto fez ou tanto faz...". Era isso mesmo, indignava-se toda vez que ouvia essa música. Ela se entregava de corpo e alma enquanto "ele" se esgueirava pelas linhas divisórias do relacionamento, ultrapassando fronteiras aceitáveis e construíndo aquele mosaico no qual seu coração se transformara. Por que a entrega tinha que ser unilateral? seria da natureza masculina ferir, magoar, trair, atirar pela janela toda a felicidade que ela oferecia em troca de um amor honesto e cúmplice?. Era assim que ela, hoje, enxergava os homens que se aproximavam dela, em tentativas inglórias de conquistar aquele coração que mal refratava de maneira translúcida seus amedrontados sentimentos. Ela queria, mas tinha medo. Tinha medo de sofrer novamente, mas esquecia-se de que é a poda da árvore que lhe revitaliza após a mutilação de seus galhos. Não há ninguém igual em todo o mundo, cada ser é um universo circunscrito  em si só, portanto seu grande amor estaria ali, no meio dessa multidão de rostos desconhecidos, aguardando sem saber, a oportunidade de encontrá-la, quem sabe ela já o encontrara, e que pudessem desfrutar de inúmeros momentos felizes. Ela, madura e inteligente, bem sabe que felicidade é um conjunto de momentos felizes, que superam em número e qualidade, os momentos desagradáveis, mas quando esses momentos se tornam raros em um relacionamento, o custo do mesmo é pago com lágrimas, solidão e desesperança, um preço muito alto a se pagar, desconsiderando a si mesma inclusive. Ele a magoara das mais diversas maneiras possíveis, fizera-na sentir-se diminuída como mulher, pouco atraente como fêmea, incompetente como profissional, feia como jamais havia sido, solitária como jamais sonhara ser. Como poderia uma pessoa ter tamanho poder sobre outra ao ponto de transformá-la no que ela jamais foi? De arrancá-la de dentro de si mesma, de sua dignidade e autoconfiança para despojá-la numa persona que jamais lhe pertencera?. Uma lágrima rolara naquele rosto de contornos angulares, delgado, de feições firmes sem no entanto perder a silhueta angelical e peculiar que ora se escondia sob os longos e lisos fios negros que se atiravam até a linha de cintura e em sua franja perfeita, longa e de contorno até o início das têmporas. Se existia uma linda mulher, ela estava ali, sentada, na penumbra de sua sala, sufocada pela noite que já se estendia, secando os olhos, respirando com coriza, sorriso mesclado com um soluço, mentindo a si mesma que tudo estava bem, ao passo que deveria levantar-se, permitir-se viver, cair e levantar-se, pois a vida lhe ensinava todos os dias que recomeçar não era problema e que jamais estariamos caminhando se em nossa pré-infância deixássemos que os tombos que nos dobravam os joelhos nos tirassem o prazer de sorrir e correr para os braços maternos, nem tampouco de esconder-se sob desculpas de que já não era mais tão jovem, pois a juventude está na alma e nunca esteve na pele. Ela seria linda e maravilhosa para alguém... sempre, e vice-versa, não interessava a idade. 
    Mas naquela noite, faltou-lhe coragem de sair de casa sozinha, de enfrentar seus fantasmas, de presentear-se com a oportunidade de responder a um olhar mais atento daquela pessoa que ainda anônimo a observava com atenção e interesse. Naquela noite, faltou-lhe a coragem para ser quem ela realmente era e ter a felicidade que ela realmente merecia. Naquela noite faltou-lhe largar o copo, desligar a TV, vestir-se para a noite que ocultava os segredos dos casais. 
      Naquela noite, ela não retocou seu batom. 

sábado, 27 de julho de 2013

Um dia...


(para ouvir enquanto lê) ( http://www.youtube.com/watch?v=i1Zv5N2M6ns ) 
    Ela acordou numa manhã de domingo após mais uma noite dormindo solitária. Sozinha não, solitária, volto a repetir. Acordar é uma força de expressão, pois ela passara a noite acordada, olhando para o teto, para a janela, para a porta. Ao seu lado ele dormia desde as 21:00 da noite anterior, de costas para ela desde que deitou-se embrulhado em um lençol, que tão enrolado estava em seu corpo, não poderia jamais dizer que era um lençol de casal, mas sim de solteiro, haja vista que somente ele usufruiu dele. Onde ficou a parte prática de suas promessas de dormir de conchinha todas as noites?. Tantas promessas ficaram no pretérito... aliás, esse é o tempo verbal de todas as juras que ele fez. Havia um antes e depois tão intenso em sua vida que ela já não conseguia mais distinguir os sonhos das fantasias.
     Antes, ela recebia flores quase todas as semanas, hoje recebe críticas todos os dias.
     Antes, ela ganhava beijos todos os dias antes dele sair para o trabalho, hoje ele apenas pergunta sobre o cardápio do almoço.
     Antes, ela saía para dançar com ele todos os finais de semana, hoje ela valsa com uma almofada, sozinha, na sala de estar.
     Impossível enumerar tantos depressivos "antes" e "depois", recorda ela, com os olhos cheios de lágrimas. O que mudara nela? Sim, só pode ter sido nela, imaginava. Não faltara amor de sua parte nem carinho e muito menos dedicação, pois sempre foi uma companheira presente e leal aos seus compromissos. Ela tenta encontrar uma resposta plausível em filosofias, livros de autoajuda, conversa com suas amigas e no entanto percebe que muitas delas se queixam das mesmas coisas. Era uma transformação dos princípios do amor? ou apenas a vulgarização de um sentimento bastante diferente do que se rotula como amor nos dias atuais? Tantas questões vagavam em seu pensamento. Ela olhou à sua volta, contemplou um antigo retrato sobre o criado mudo que estava ali desde que se conheceram. O que realmente importa? O que realmente faz sentido? continuar ali, fisicamente presente e ignorada por completo?.
     Ela levantou-se, foi até o closet olhou-se no espelho de parede, ajeitou os cabelos. Ela era uma mulher muito bonita, culta, inteligente, independente, autossuficiente, romântica, belíssima à sua maturidade. Afinal, não importa se ela é magrinha, gordinha, alta, baixa, que há de errado nisso? Há tantas divas do passado que em sua maturidade ficaram muito feias ao passo que aquela vizinha anônima, feia em sua juventude,  tornara-se uma linda mulher. Os anos esculpem de forma diferente cada pessoa. Um relacionamento embasado na aparência é um relacionamento que tende ao fracasso, se não observados os aspectos que realmente importam em um romance.
     Ela não era nenhuma Miss Universo, mas também nem em sonho era aquela mocinha linda e cheia de curvas que no entanto fazia estremecer seu  companheiro quando resolvia abrir a boca para falar ou o envergonhava num post de redes sociais quando, no mínimo, trocava o "ç"  por  "ss". Sem dúvida há mulheres lindas, sinuosas e muito cultas, mas não foi isso que ela quis evidenciar em seus apontamentos.       
     Não importa como é seu corpo, se você se admira. Ela se admirava. Tinha consciência de quem era, como era, e isso era o suficiente. Ela o amou apesar de seus defeitos que todo mundo possui, principalmente ele. O primeiro contato de um casal, sem dúvida é o visual, mas não deveria ser o único, pois beleza não se restringe ao aspecto plástico, mas, muito mais, na condução diária de um relacionamento. 
      Então era isso? tudo pelo que ela lutou a vida inteira, era somente isso? viver segundo as vontade dele? passear os passeios dele? viver a vida dele? ela tem a dela. Ela quer sair para dançar, ir ao cinema, viajar, passear de mãos dadas, viver aventuras ao lado dele, sentar-se no tapete da sala, com pipoca e guaraná ao colo, ver um filme, sorrir juntos. Ela quer dormir de conchinha todas as noites, ouvir seu coração pulsar quando deitar-se sobre seu peito, sentir suas mãos afagando seus cabelos e roçando sua pele nua suavemente para que ela adormeça. Ela quer ser acordada com um beijo e um sorriso, abraçada sob os primeiros raios de sol, quer seu café-da-manhã na cama algumas vezes, quer sentir-se cuidada, amada, desejada. Não era pedir muito, seria? são coisas simples, que não custam dinheiro algum, mas sim dedicação, vontade e cumplicidade. 
     Sim, ela seria capaz de recomeçar. Nunca é tarde para recomeçar. Não há príncipe encantado algum lá fora, mas certamente há muitos homens de verdade que enxergam a verdadeira beleza que há em uma mulher, sem se importar com algumas imperfeições na aparência, alguns quilinhos a mais ou a menos, mas que olham primeiro em seus olhos, antes de admirar seu derrière. 
    Ela espreguiçou-se, retocou sua maquiagem, nos lábios seu inseparável batom carmim realçado com seu clip-on, cabelos escovados, alongou seus cílios, conferiu o brilho nos olhos ainda um pouco inchados de chorar e soluçar na madrugada. Ele ainda dormia, enrolado em seu lençol, ainda virado para a parede, de costas para o lugar na cama onde ela dormira, ou melhor, chorara a noite toda. Vestiu seu melhor vestido, calçou suas sandálias, seus anéis, brincos, colar, tirou a aliança da mão esquerda e deixou-a sobre a pia do banheiro.
  Deixou também, na pia do banheiro, suas frustrações, seus desejos não realizados, o amor não correspondido, as promessas não cumpridas, as juras de amor que não foram verdadeiras.  Na mala, que aprontara durante a noite, ela guardou apenas algumas roupas, seus sonhos, as lingeries há anos sem uso, suas boas lembranças e muitos desejos a realizar. 
   Silenciosamente, deixou as chaves de casa sobre a mesa de jantar, fechou a porta às suas costas e foi ser feliz.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Há 32 anos...


     Ele abriu a gaveta de sua cômoda e tirou a folha de papel cuidadosamente guardada, propositalmente,  dentro do livro "Cem anos de solidão" de Gabriel García Márquez. A página amarelada pelo tempo, estivera ali por 32 anos, durante toda sua vida, desde que fora escrita. Com caligrafia já transformada, pois ele era muito jovem quando a escreveu, despontavam rimas não muito bem formadas, mas adequadas à sua imaturidade e juventude.  Ali havia um poema e uma tímida declaração de amor que ele escrevera. 
     Era junho de 1981, noite de festividades de São João. A festa seria na quadra esportiva do colégio onde cursavam o colegial. Bandeirolas coloridas, fogueira artificial, barraquinhas de guloseimas típicas da festividade, música, pessoas sorrindo. Vários grupos já haviam se apresentado nos concursos de danças características e ele preparava-se para ir embora quando na saída, ele a encontrou. Ela acabara de chegar. Seu coração bateu mais forte, descompassado, como se quisesse escapar pela boca e sair correndo de encontro ao dela. Ela estava linda, de penteado e cabelo preso, vestindo calça de tecido e sapatos pretos, blusa branca com detalhes de renda na frente, de mangas compridas, exibindo um batom vermelho naqueles lábios perfeitos, sombra nos olhos castanhos brilhantes e aquele sorriso... ah! aquele sorriso maravilhoso que fora um dos elementos que o fizeram apaixonar-se por aquela menina de voz doce e que o apelidara carinhosamente com o diminutivo de seu nome. Ah! aquele sorriso lhe tomava horas de sono, roubava-lhe o sossego da alma que ansiava pelo anoitecer apenas para voar por onde voam as almas e sonhar com aquele rosto lindo com uma marquinha no queixo, uma pinta, que o tornava ainda mais charmoso.
    Ah! como ele amava visitá-la em casa, apenas para ficar pertinho, para sentir suas mãos pousando sobre as suas, sobre seu braço, num gesto que ela repetia com muito carinho. Como era bom passar aquelas tardes ao seu lado. Ele logo se formaria no colegial e então a veria com menor frequência pois ele cursava o 3º ano e ela cursava o 2º. 
     Ao vê-la naquela festa junina, tão linda, tão deslumbrante, como ela sempre fora, e ainda é até hoje, ele resolveu munir-se de coragem e, muito tímido como de fato era, escreveu-lhe um poema de própria autoria e um bilhete no qual ele declarava seu grande amor. Seus planos eram visitá-la, conversar como sempre  faziam e nos acréscimos do segundo tempo, já despedindo-se para ir embora, entregá-lo para que ela pudesse ler a respeito de seus sentimentos. Mas isso não aconteceu.
     Como era de costume, ele chegou naquela tarde ensolarada, parou diante do portão e chamou-a. Ela saiu da casa vestindo um shortinho cor cinza e uma camiseta regatas com listras coloridas, cabelos presos e o característico sorriso lindo emoldurado naquele rostinho perfeito. Sentaram-se na varanda da casa, naquelas cadeiras de fios de plástico e conversaram normalmente como sempre fizeram. Ele mal conseguia respirar naquela tarde. Seu coração era uma locomotiva fumegante e a todo vapor, impulsionado pela ansiedade. Mas uma frase veio destruir suas esperanças, jogar por terra tudo que havia planejado, borrar com lágrimas surdas e contidas as palavras que na noite anterior ele transcrevera de seu coração para aquele papel em seu bolso, de onde jamais sairia. Na frase ela perguntara se ele havia visto um de seus amigos, e completou que ele a rondava e a pedira em namoro. O dia fez-se noite, a tarde fez-se pranto abafado no peito e engolido a seco para que ela não notasse a tristeza e o desespero em seus olhos. Não... não era hora de fraquejar. Sem outra alternativa, ele a felicitou e desejou-lhe felicidades pois o outro era um bom rapaz. Despediu-se e foi para casa, com o poema e a declaração em seu bolso (seu primeiro erro), com a cabeça girando a milhares de rotações por minuto. 
     Aquela quinta-feira arrastou-se melancolicamente, a sexta-feira assemelhava-se a um sepulcro e então no sábado ele decidiu procurar alguém para namorar. A primeira que fosse, que lhe desse oportunidade, ele namoraria (seu segundo erro). E assim o fez. Ele afastou-se o máximo que podia, daquela que era a dona de seu coração, pois não suportava olhá-la e não tê-la. Procurou ocupar seu tempo com a namoradinha que, vítima de suas atitudes desesperadas e imaturas de tentar curar uma paixão não correspondida com outra, sucumbira mais adiante às vésperas de seu casamento. Não, ele não poderia se casar sem amá-la. Seria doloroso mas tomou a decisão de romper o noivado. Mudou-se de cidade, estado, no dia seguinte ao rompimento de seu noivado, numa tentativa insana de manter-se o mais distante possível daquela que ele desejava tanto esperá-la no altar. Morou em vários lugares, vários estados, várias cidades, mas nunca deixou de amá-la (nem poderia). Soube em determinada época que ela havia se casado, pondo um derradeiro ponto final em todas as suas esperanças. Anos depois, ele retornou à sua cidade e foi visitá-la, na ocasião do nascimento de sua primogênita. Foi uma visita rápida, pois ele sentia-se completamente desconfortável ali, diante da mulher que ainda fazia o chão desaparecer sob seus pés. 
     Os anos se passaram, cada qual tomou rumos diferentes em suas vidas. Ele perdeu completamente o contato com seu grande amor. Percorreu o bairro onde ela morava, mas já haviam se passado anos e tudo estava muito diferente, não conseguindo enfim encontrar a casa onde ela morava. Foi até a casa onde na adolescência ela morou e perguntou aos moradores atuais se eles conheciam seu endereço, mas tudo em vão. Repentinamente, ele a reencontra e a alegria invade e inunda seu coração e sua alma. Ela em nada mudara, o tempo não teve efeito algum sobre aquele rostinho lindo. Ansioso para ouvir suas histórias e preencher as lacunas desses 32 anos ele a convida para tomarem um café juntos, insiste e a convida por diversas vezes, até resolver perguntar-lhe por que ela o evitava. Sua resposta o surpreendeu... muito. Ele então resolveu contar-lhe sobre o bilhete com que chegara e voltara em seu bolso, há três décadas. E atônito, descobre que ela havia lhe perguntado sobre o amigo, apenas para checar sua reação (terceiro erro), para descobrir se ele tinha algum interesse por ela (claro que ela sabia que sim, que ele a amava). 
     Foram erros fatais que mudou completamente o destino de ambos. Ela não precisava fazer aquele teste. Ele não deveria ter ido embora com a carta no bolso sem entregá-la. Quantas lagrimas foram derramadas por anos e quanta tristeza fez morada em seu coração por dois, apenas dois equívocos cometidos por ambos. Hoje poderiam e ele acredita que certamente estariam casados, felizes, realizados. Mas em lugar disso, restou a frustração de nunca terem possuído o que sempre lhes pertenceu de coração e de direito.
   Hoje ele ainda recorda a canção que ele ouviu por anos seguidos ( http://www.youtube.com/watch?v=oBUkS_iD7gw ) a lhe embalar e secar as lágrimas derramadas por aquela mulher maravilhosa que sempre foi sua, sem nunca ter sido.
     Mas nunca é tarde para ser feliz.

domingo, 14 de julho de 2013

Do outro lado da rua...


...aquele maldito despertador mal esperou amanhecer para tocar. Parece que despertadores adivinham quando o sol vai nascer e sabem também qual é o momento exato de interromperem aquele sono gostoso e profundo. Ele esticou o braço, desligou o despertador, virou-se lentamente, espreguiçou demoradamente, sentindo alongar cada músculo de seu tórax, costas e braços, piscou algumas vezes, ainda incrédulo de que o dia já amanhecera sendo que a impressão que ele tinha é que acabara de se deitar. Levantou-se preguiçosamente e foi até o banheiro. Abriu a torneira e deixou que a água fria em seu rosto colhesse o crédito de despertá-lo. Abriu o chuveiro e deixou que a água quente terminasse a árdua tarefa de despertá-lo. 
     Ele ainda se lembrava muito bem daquela rua, pacata, num bairro somente residencial, da casa cor de abóbora, do gramado que nunca chegou a ser um gramado, pois seu cão de estimação nunca deixava que prosperasse. A amoreira já não estava mais lá, havia sido cortada. Dali mesmo, da calçada, ele olhou a janela onde nos últimos dias em que morou ali, debruçava-se sobre o parapeito e ficava observando a quietude, o silêncio, ouvindo os pássaros noturnos, as folhas secas rolando no asfalto, sentindo o vento em seu rosto. A luz tênue e amarelada dos postes de iluminação daquela rua, concediam-lhe uma atmosfera melancólica. solitária. A solidão a dois gritava em seu peito. Nada era pior que ter alguém na vida e ao mesmo tempo sentir-se tão solitário. Ser romântico tem suas desvantagens quando é unilateral. Ele adorava sair para dançar, aliás, adorava levá-la para dançar. Senti-la em seus braços, principalmente quando ela aconchegava a cabeça e roçava o rosto em seu peito enquanto seus braços a estreitavam e apertavam-na contra si. Ele amava a sensação que sentia quando ela se perdia em seus olhos e ele percebia o quanto ela o amava. Mas isso foi no início, durou alguns quatro ou cinco anos. Depois desse período, em algum ponto de suas vidas eles se perderam, distanciaram, criaram abismos entre si. 
     O sempre nem sempre dura a vida toda, mas sim o tempo necessário que tem que durar. Ele lembrou-se do quadro pendurado na parede, que ele ajudou a começar. Lembrou-se de quando fizeram, juntos, aulas de pintura. Ela era um desastre para desenhar - sorriu ao lembrar-se disso - e mal conseguia fazer um círculo razoável. Sua noção de perspectiva era ainda pior, mas tudo isso a tornava mais linda e mais divertida e ele sorria sempre de suas inabilidades e procurava ajudá-la, às vezes até mesmo segurando em sua mão e fazendo o movimento na tela com o pincel para que ela aprendesse. Anteriormente haviam tentado tocar violão, mas ela também se sobressaía na arte do desafino. Por fim, a única musica que ela tentou aprender e ainda assim não conseguiu persiste até hoje em sua memória: "...são três machos e uma fêmea por sinal maria...". Impossível esquecer essa música - sorri - pois ela a repetia todos os dias o mesmo trecho, que nunca aprendeu. Como era divertido. Mas ela era extremamente inteligente, desprovida de dons artísticos é verdade, porém em sua profissão, não havia a quem se comparasse. 
     Ali na rua, parado, olhando aquela casa, ele perguntava a si próprio: por que? qual o motivo? por que as pessoas não valorizam esses detalhes pequenos, por que ela não valorizou tudo isso e muito mais detalhes simples e importantes que tinham em suas vidas? por que deixou-se distanciar tanto assim ao ponto de perder de vista o referencial daquele amor? A sofisticação do simples é encantadora, não é necessário muito  para ser feliz, basta enxergar a beleza em tantos pormenores para os quais, em nosso cotidiano, não valorizamos ou olhamos com desdém. 
     Agora, nessa rua, a essa hora da madrugada, ele já não está mais ali naquela janela, insone, pensativo, mas sim do lado de fora, onde ainda brilham na lembrança as lágrimas que ele derramou ao deixá-la. Se ele fechar os olhos, ainda será capaz de vê-lo voltando para o quarto, onde indiferentemente ela dormia, fechar a janela, cobri-la com aquele cobertor macio, felpudo, que ela adorava, deitar-se ao lado dela e esperar ainda por quase hora até que o sono viesse, geralmente ouvindo sua música (e única) favorita: http://www.youtube.com/watch?v=YuJbij0Vx20  . Do lado de fora, a vida seguia seu rumo e em muitos lugares, haviam milhares de rapazes como ele, passando pelas mesmas dores. E certamente haveriam milhares de mulheres como ela, deitadas, indiferentes, sem se importar com a pessoa amada ao seu lado.
     Mas isso passou, definitivamente sim. Bem... vai passar.

     Ele fechou o chuveiro, secou-se, penteou-se, perfumou-se, sorriu, suspirou profundamente e saiu.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Poliana, de flor em flor...

     O celular despertou antes das 6:00 da manhã. Poliana, como gostava de ser chamada, era atualmente um arquétipo vivo de uma caixinha de Pandora. Abriu os olhos lentamente, desligou o alarme do celular, espreguiçou lentamente, bocejou e olhou à sua volta. Por instantes aquele quarto lhe pareceu estranho, porém não de forma surpreendente, pois nos últimos dias, consecutivamente, acordara em quartos de casas diferentes. Virou-se na cama lentamente, olhou atentamente aquele homem deitado ao seu lado, tentou recordar-se das últimas noites em claro, sem no entanto confundir as pessoas. Sentou-se na cama, não se importando se o acordaria, pois algumas vezes ela não ia em seu carro para seus encontros, como era o caso daquele dia, no qual ele teria que levá-la até sua casa. Em outras vezes ela ia em seu próprio carro e ali mesmo no porta-luvas, deixava seus celulares no silencioso, para que não fosse incomodada em suas noitadas. Poliana levantou-se, foi até o banheiro, ainda completamente nua, enquanto seu amante ainda permanecia na cama.

     Olhou-se no espelho. Poliana, uma mulher madura com pouco mais de 40 anos, recém separada. Ela fez uma leitura rápida de seu reflexo no espelho. As marcas do tempo já estavam bastante visíveis em seu rosto, nos fios de cabelos brancos que insistiam em surgir entre os outros que foram pintados. Poliana estava bem acima do peso, considerando sua estatura, o que lhe conferia umas gordurinhas localizadas na barriga, nos braços, pernas, sob o queixo, tornando seu rosto muito mais arredondado do que realmente era. Celulites e estrias lhe incomodavam, seu corpo já não possuía mais aquelas linhas perfeitas e sinuosas da juventude, ou de alguns anos atrás, mas suas experiências eram fartas. Antes, Poliana escolhia. Tinha o poder de apontar o dedo na direção de qualquer exemplar do sexo masculino e arrastá-lo para seu mundo de prazeres. Hoje, a decisão não é somente dela, pois, na cidade em que Poliana vive, existem muito mais mulheres (em sua maioria lindas e de corpos maravilhosos) do que exemplares masculinos. Por vezes, Poliana acordava em um quarto de uma casa enorme com piscina, em outras,  num quarto de apartamento.

     Poliana deteve-se por alguns instantes, pensamento perdido em seu reflexo no espelho. Seus olhos nem mais a fitavam, eles estavam perdidos em suas lembranças. Procurou na pia sua escova dental, mas... que bobagem! ela não estava em sua casa. Seus apetrechos pessoais estavam em sua bolsa. Mais uma noite se passou. Suspiros, gemidos, prazeres. Ao menos seu corpo estava satisfeito. Faltava-lhe saciar a alma, o coração, mas esse seria um pouco mais complicado, haja vista que aquele que ocupou seu coração por muitos anos, havia desocupado seu lugar permanente, deixando apenas algumas vagas de aluguel. Poliana sentia saudade daquele que fora seu maior e grande amor. Como uma borboleta, vagava de flor em flor, mas o perfume único e delicioso da pele daquele que foi seu companheiro por anos, que ela ainda guardava na memória
e resgatava quando fechava seus olhos e se entregava às doces lembranças, ela sabia que não encontraria nunca mais, nem tampouco em nenhum travesseiro estranho que aconchegava sua cabeça ou num peito estranho que jamais encaixaria sua cabeça com tamanha perfeição. Poliana também sabia que aquelas mãos firmes que a seguravam pelo quadril, quando sua cama lhe servia de chão e aquela barba por fazer que lhe roçavam as costas
quando aqueles lábios, que ela tanto amava, percorria-lhe a pele deixando um rastro molhado e fazia balançar seu corpo como um terremoto que a despia de todo e qualquer resquício de pudor, já não dormia mais consigo no leito aconchegante de sua casa.

     Poliana, de flor em flor, espalhava seu pólen, mas nenhum prazer seria capaz de arrancar-lhe a saudade e a lembrança que exalava pelos poros de sua pele alva e macia. Com seu ex-companheiro ela não precisava esconder-se envolta naquela toalha estranha e dissimular as imperfeições de seu corpo pois ele a amava plena e exatamente como ela é, aliás, ele adorava observá-la nua. Poliana, de olhos ainda maquilados, lábios sem batom, dedos sem anéis, estava de volta à vida que ela mesma abandonara quando conheceu seu ex-companheiro. Poliana nunca foi feliz pousando de flor em flor, porém retomou. Poliana sabe que voltará àquele abismo imenso dentro de si, pois ela bem sabe que pousar de flor em flor não lhe trará felicidade alguma, mas, muito pelo contrário, a empurrará de volta à escuridão daquele cantinho cinzento e escuro de sua alma.
Poliana conhece bem suas escolhas, seus valores, seus defeitos e suas motivações. Foi decisão sua.

     Amor verdadeiro não bate à porta todos os dias. Raramente duas vezes. Três vezes nunca. Poliana teve sua chance. Mas seu zelo exacerbado por quem não merecia tal zelo, e agora ela vê isso na solidão de seus dias e suas noites, lhe mostra quem realmente esteve sempre ao seu lado, mas o depois não conta mais, o ontem já passou e o futuro não lhe reserva mais esse amor perdido. O presente... bem... o presente pode dar a Poliana uma flor por noite, mas até quando, se o tempo é cruel em deixar suas marcas, o coração é tirano ao recusar-se a despejar seu grande amor, seus pensamentos zombam de si ao tentar baní-lo dali e seu corpo tece insatisfeitas e insaciadas comparações.

     Poliana abre a ducha do chuveiro, tenta sorrir e mentir a si própria que está feliz, que é isso mesmo que tinha que acontecer, que tomou as decisões corretas e balança a cabeça como se quisesse afastar para bem longe o que em vão ela vai tentar esconder de si própria pelo resto da vida. Poliana veste-se e vai para o trabalho. Cabelos penteados, anéis nos dedos, batom na boca, cremes no rosto. Um novo dia, uma nova noite, quem sabe uma nova flor diferente a espera logo mais à noite?. Por fora, um sorriso nos lábios, por dentro, chagas abertas na alma. Lá vai Poliana.


    As decisões que tomamos na vida, sempre são motivadas pela auto-proteção ou para protegermos alguém ou alguma coisa em nosso convívio. Todas elas tem seu preço e suas consequências. Algumas, aquelas que envolvem abrir mão de coisas ou pessoas preciosas, são pagas com suor e lágrimas ou deixam um rombo de sentimentos difíceis de curar. Não são os atos que matam, Poliana, mas sim as lembranças de como poderia ter sido se não tivesse desistido tão cedo. Lá vai Poliana, que busca, em vão, compensar, de flor em flor, aquele que foi, e quer ela queira ou não, sempre será, seu grande amor.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

No hay más tiempo, no hay...


    Hoje quero ficar só. Sozinho comigo mesmo, com meus pensamentos, minhas alegrias, minhas tristezas, minhas vitórias, minhas derrotas. Hoje quero ouvir aquela música que há tempos não ouvia, sentir aquele perfume que ficou esquecido lá no fundo do armário, rever antigas fotografias, reler os textos que escrevi há anos, agora em suas páginas amareladas pelo tempo, sentir o cheiro de café no coador, fumaça de lenha na fogueira, doar as roupas que não uso mais, descartar as lembranças que não merecem ser lembradas, os sentimentos que não mais importam, olhar no fundo dos olhos dos meus medos.

     Hoje quero nos lábios a doçura do sorvete derretendo, gotas de tinta caindo na tela branca borrando o espaço de uma pintura barroca, me sentar na grama sob a chuva, abrir a boca e beber as gotas que puder captar, falar com a boca cheia, mas de palavras que não ultrapassavam minha garganta. 

      Hoje vou dormir mais tarde, abrir a janela e observar o luar, inspirar profundamente o ar frio da madrugada, sorrir para ninguém, contemplar o nada e o tudo na escuridão da madrugada. Hoje vou acenar e agradecer a quem fica, pedir perdão a quem magoei, jogar amarelinha nos quadradinhos da vida. Vou sair da vida à francesa como quem chegou sem querer e ficou sem merecer.


terça-feira, 2 de julho de 2013

As folhas de outono...

...atravessaram a rua caminhando lado a lado, ainda tímidos, passos desajeitados. A hora já avançara, pois conversaram demoradamente naquele coffee bar. Era uma tarde de outono e o vento frio varria as ruas e espalhava folhas secas pelo chão. O céu formava uma abóbada de tons vermelhos e alaranjados, riscado  por poucas nuvens, conferindo um dourado aconchegante e calmo em toda a paisagem que os cercavam. O bordo vermelho debruçava suas folhas secas nos bancos e jardins daquela praça que ostentava o gramado mais verde que ele conhecera. As chaminés fumegantes nas casas era indício de que as lareiras eram acesas e o inverno não tardaria a chegar. As pessoas passavam apressadas, dirigindo-se aos seus lares após um longo dia de trabalho. Ambos, entrentanto, pareciam ignorar tudo á sua volta. De sorriso pleno ele a fitava nos olhos enquanto conversavam. Sentaram-se na grama à beira do lago. Foi a primeira vez que ele chegou tão perto daquele "anjo" que tão descompassadamente fez acelerar seu coração. Ele sentiu seu ombro roçar e colar no ombro dela, seus rostos se aproximaram o suficiente para que ele pudesse sentir de perto, pela primeira vez, o perfume daquela pele que ele identificaria, doravante, de olhos vendados. Ele levou a mão até seu rosto, acariciando aquela pele alva e macia com as costas das mãos. Pela primeira vez seus dedos entrelaçaram aqueles cabelos de algodão que lhe caía aos ombros, lisos até o meio e cacheado nas pontas, eram castanhos claros de fios dourados que realçavam ainda mais sob aquele ocaso colorido. Sua pele alva adquirira um tom bronzeado e o reflexo do lago em seus olhos tornavam ainda mais brilhantes aquele reduto onde os seus se perdiam. Ele observou suas mãos, finas, unhas grandes e bem cuidadas, dedos longilíneos, que se uniram aos dele quando deslizou sua mão e a colocou sobre a dela. Quando seus dedos entrelaçaram  ele sentiu como se aquelas mãos abraçassem as suas. Ele deslizou suavemente sua mão pelo seu braço em direção ao ombro, demorou-se quando seus dedos pousaram sobre seu pescoço. Ele aproximou seu rosto quase ao ponto de roçar seu nariz no dela, quando ela cerrou os olhos, entreabriu os lábios e aquela boca de lábios macios esperou pelo primeiro beijo. Ele roçou seus lábios nos dela, mordiscou seu lábio inferior e entregou-se àquele beijo com sofreguidão quando ela retribuiu, demoradamente, sentindo a textura daquela boca de contornos perfeitos que ele possuía. Suas línguas dançaram tocando-se e alternando as bocas que não demonstravam a menor vontade se separarem. Ele contornou os lábios dela com os seus, beijando-os de um cantinho da boca ao outro ao passo que sua mão se emaranhava naqueles cabelos dourados e puxavam suavemente seu rosto em direção ao dele enquanto sua outra mão decorava a geografia daqueles braços e pele perfeita. Aquele beijo demoraria ainda toda uma eternidade naquele espaço de tempo. Era o começo de tudo, quando duas almas gêmeas se encontraram, se reconheceram e deram a si próprias a oportunidade de buscarem juntos os momentos felizes que a vida lhes proporcionaria desde que tivessem a sabedoria necessária para que cuidassem, como deve ser cuidado, daquele amor que nascera de um olhar mas que dependeria da lealdade, respeito, cuidado e cumplicidade para que sobrevivesse. O vento que anunciava o outono tornava-se mais forte, a brisa mais fria, os olhares mais apaixonados e a vida mais bela. 

sábado, 29 de junho de 2013

Pause...

... me disseram assim: "fale sobre você...".
Não poderia ser pior ou mais difícil de responder. Primeiro porque quem se define, automaticamente se limita. Sou ilimitado, luz e escuridão concomitantes em mim. Sou alegria e tristeza inertes e em movimento num corpo só. Por vezes sou Quixote digladiando com moinhos nas noites escuras de falsos dragões ou me esgueirando entre espinhais que me ferem a pele e riscam minh'alma como afiados dentes de marfim. Sou doce como mel e pareço amargo como fel. A diferença é você quem terá que descobrir se quiser me conhecer. Qual vive, qual morre, não importa se a vida é efêmera e a morte é certa. Então por que escolher uma ou outra característica?  Não escolho, em ninguém, nenhuma das duas. Faço brotar, faço surgir, a que mais me apraz. Se planto amor colho uma flor, senão colho a dor e a escuridão. Eu me olho no espelho e gosto do que vejo. Não pela imagem... entenda o que digo, vá além... falo do que você não vê. Veja as rodas que fazem o mundo girar, calçadas em sonhos e sustentadas em verbos. Veja a chuva que cai sem se furtar de abrir os braços e colher as gotas que lhe ardem nos olhos. Há muito tempo me cansei de ser o vento, soprando alhures em todas direções. Icei velas em minha direção, numa busca que levou às profundezas de um lugar em que jamais estive. Fui Arthur da távola redonda, Átila, Perseu, mas nunca fui quem sempre busquei: Eu.
Sou romântico e acho isso uma qualidade, embora muitas pessoas não concordem. Tudo bem, e daí que você gosta de jiló e quiabo, ou você sabe esquiar ou se é presidente da república? somos diferentes!. Já preferi Hard-rock e quis escalar o Everest sem no entanto entender que a minha canção (que hoje é essa e  você pode ouvi-la no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=YuJbij0Vx20 ) e minha escalada sempre estiveram aqui dentro. Hoje prefiro o ruído silencioso da planta crescendo, a noite escura e o céu sem estrelas, para poder conversar com a planta, iluminar a noite, semear estrelas no céu. 
Assim, quero que se lembrem de mim, como a água que passou, ora um filete, ora riacho... lembrem-se de mim como memória viva ou mesmo Quixote, que em toda sua loucura, apenas queria ser feliz.


Seu porto seguro...

Ela hesitou por instantes. Aquele bilhete escrito no guardanapo de tecido, o vinho sobre a mesa, as duas taças diante de si, aquele homem misterioso que a surpreendia inusitadamente subtraíra o chão sob seus pés. Ela lançou, tímida, um sorriso em sua direção, agradecendo. Foi nesse momento que ela observou mais atentamente aquele homem, de aparência madura, cabelos suavemente grisalhos, olhos brilhantes cor de mel, aqueles lábios de aparência macia emoldurados por aquela boca bonita, geometricamente perfeita que contemplava um lindo sorriso. Ele levou a taça de vinho aos lábios e nesse momento ela reparou em suas mãos, de tenaz aparência e ao mesmo tempo longilínea. Por uma fração de segundo, que lhe pareceu uma eternidade, ela memorizou aquela alma misteriosa que como um perfeito gentleman, de maneira ousada se convidava a sentar-se à sua mesa. Subitamente ele levantou-se, acenou a ela para que ouvisse algo, caminhou lentamente na direção oposta à qual ela estava e sentou-se ao piano que havia no recinto para os shows que ali aconteciam em alguns dias da semana. Aos primeiros acordes a música preencheu todo o recinto. Ela reconhecera imediatamente o que ele tocava, pois ela também gostava muito de música clássica. Sim, incrivelmente era uma de suas favoritas: Rachmaninoff - Rhapsody (http://www.youtube.com/watch?v=RgtEUr_n9vM) de acordes melancólicos, melodia soturna mas deliciosa de se ouvir. Ao final de seu breve e particular concerto, dirigiu-se à sua mesa, decidido, de firme caminhar, como quem tem a absoluta certeza de onde vai. Ele é um homem de alta estatura, mas era o suficiente que seu rosto alcançasse a altura de seus ombros. Ele tomou sua mão, beijou-a suavemente, olhou-a nos olhos, cumprimentou-a gentilmente, apresentou-se e ela não teve sombra de dúvida em convidá-lo a sentar-se em sua companhia. Foi assim que destarte começaria ali um romance duradouro. Ela estava solteira, mas fora casada por alguns anos. Recém separada, ainda sentia-se insegura quanto a seus sentimentos, seu futuro, amedrontada pelo fantasma do que vivera em seu último relacionamento. Naquele momento tantas memórias açoitavam-lhe o espírito e as incertezas insistiam em rondar seus pensamentos. Ela veria, entretanto, que seus temores eram infundados. Cada relacionamento é único pois envolvem indivíduos também únicos. Ele deixaria bastante claro, no decorrer dos dias vindouros, que não havia motivo para temor algum, pois ele seria seu porto seguro, seu ombro nos momentos difíceis, sua luz na escuridão, sua paz quando ela deitar e adormecer sobre seu peito. Ela sentiria o olhar que ainda não conhecera, os beijos que não provara, a cumplicidade que não sentira, a fidelidade com que sonhara, o amor imenso e verdadeiro que nunca tivera.