AS ROSAS DE JULIENNE
Era uma manhã de outono e faltavam
poucas horas até alcançar seu destino. Pela janela do trem, passava rapidamente
toda aquela paisagem deslumbrante das regiões montanhosas próximas a Laville, uma cidade esquecida pelo
progresso mas lembrada em detalhes pelo Criador. As encostas montanhosas,
cobertas pela vegetação abundante e os diversos riachos que corriam em silencio
desviando-se dos coloridos seixos, formavam um mosaico inesquecível e
aconchegante de toda aquela paisagem que uma vez ou outra abrigava um chalé com
chaminés fumegantes e acolhedor.
Oscar
era um homem alto, cabelos um pouco grisalhos, ondulados, olhos castanhos
escuros, um tipo caucasiano de feições austeras, corpo atlético e olhar indiferente.
Absorto, trazia o arrependimento no peito, que feria como lâmina afiada,
atormentando-o dia e noite.
Julienne,
de olhos castanhos claros, cabelos longos e negros à altura da cintura, franja
“Cleópatra”, lábios carnudos perfeitos, que emolduravam uma linda boca em
formato de coração, nariz delgado, pescoço longilíneo, cintura e mãos finas,
quadris largos, pernas torneadas e pés delicados, estatura mediana, voz doce,
melodiosa e quase sempre calma e em baixo tom.
Oscar
a conhecera durante uma viagem de férias ao Caribe, há vinte anos. Lembrou-se
perfeitamente daquele momento em que a viu passar pela praia, vestindo um maiô
azul marinho, canga azul claro, chapéu de abas largas, caminhando lentamente
enquanto as ondas lambiam seus pés e o vento esvoaçava seus finos cabelos de
ébano. Oscar, quase hipnotizado, não hesitou em abordá-la quando a viu parar
numa barraca de água de coco. Gentilmente postou-se a seu lado, cumprimentou-a
cordialmente e animou-se ainda mais quando não percebeu nenhuma aliança ou anel
de compromisso em suas mãos. Desculpou-se pela súbita abordagem e ofereceu-lhe
um drink. Iniciaram uma animada
conversa e não demorou muito para que Julienne se rendesse aos seus charmes e
se encantasse com seus dotes culturais. A tarde passou ligeira e decidiram
marcar um encontro para aquela noite, haja vista que Julienne estava hospedada
em um hotel bem próximo ao de Oscar.
Minutos
antes da hora marcada, Oscar a aguardava no salão do hotel em que Julienne se
hospedara. Uma vez mais o coração de Oscar parecia saltar fora do peito quando
a viu se aproximar. Salto alto, vestido longo, preto, com abertura lateral até
a altura de suas coxas, generoso decote em forma de “V” que evidenciava ainda
mais seus seios médios e firmes. Seus cabelos soltos, desciam harmoniosamente
sobre os ombros e roçavam sua alva, perfumada e macia pele à medida que
avançava em sua direção.
Um
solavanco do trem mudou o rumo dos pensamentos de Oscar trazendo-o de volta à
realidade. Já estava quase na hora de revê-la. Julienne mudou-se para Laville
dois anos após separar-se de Oscar. Estiveram casados por mais de 15 anos e há dois
Julienne resolveu separar-se. Foi um casamento perfeito em seus primeiros anos.
Oscar, desde o início mostrava-se marido apaixonado, cuidadoso e dedicado.
Julienne tinha seus sonhos e um deles, o qual realizou, era cursar uma
faculdade e formar-se em Psicologia. A princípio Oscar não se importou, mas foi
mudando sua maneira de pensar e agir à medida que Julienne ocupava mais o seu
tempo com as atividades acadêmicas. Oscar já não via com bons olhos os colegas
de faculdade de sua esposa, principalmente aqueles mais jovens e do sexo
masculino. Seu ciúme tornou-se doentio e sua opinião soberana. Seu
desequilíbrio chegou ao extremo quando num dia chuvoso Julienne voltara mais
cedo pra casa e resolvera aceitar uma carona de um colega de classe. Oscar a
observava pela janela, quando desceu do carro e entrou às pressas em casa.
Julienne sentiu o mundo girar quando aquele tapa a acertou violentamente o
rosto, acompanhado de palavras de baixo calão, acusações infundadas e um forte
empurrão que arremessou-a ao chão.
Incrédula,
Julienne ainda sentia o gosto do sangue em sua boca e contemplava Oscar
completamente desfigurado pelo ódio. Como pode o homem que lhe faz juras de
amor, compartilha sua cama, suas intimidades, que deveria ser seu porto seguro,
seu amparo, incentivo e protetor, agir daquela maneira? Em que lugar do passado
aquele cavalheiro que a encantara naquela noite em que foi busca-la no hotel se
perdeu? Era inaceitável tal conduta.
O
gosto amargo de suas lembranças, juntamente com o anuncio de que em alguns
minutos o trem chegaria a seu destino causou náuseas em Oscar, que, após a
decisão do juiz, que decretou o divórcio litigioso, entregou-se ao alcoolismo e
dedicou suas noites às tentativas infrutíferas de reaproximar-se de Julienne e
obter o seu perdão. Julienne o amava e por inúmeras vezes ponderava
conceder-lhe uma segunda chance, mas Oscar, mesmo em suas investidas
aparentemente arrependidas, repetia as agressões verbais nos momentos em que
Julienne o aconselhava a ir para casa repousar e recuperar-se de sua
embriaguez.
Desde
que se separou de Oscar, Julienne foi morar em Laville, atraída pelas
oportunidades de trabalho como psicóloga e pelos encantos naturais daquela
cidade. Oscar durante um tempo a procurou insistentemente mas ao perceber que
Julienne estava irredutível em sua decisão de não aceitá-lo de volta à sua
vida, resolveu se afastar. Nunca deixou de amá-la. Nunca deixou de pensar em
Julienne todas as noites de sua vida. Nunca compreendera, até então, o
significado da palavra “arrependimento”. Julienne jamais fora infiel com Oscar,
sequer em pensamentos, mas a mente doentia dele, impulsionada pelo sentimento
de ciúme e posse o atirara ao fundo do poço do remorso.
Oscar
pegou sua mala, enxugou os olhos e desceu lentamente do trem. Acenou para um
taxi e à medida que percorria aquelas ruas em direção a seu encontro com
Julienne, recordava os lugares nos quais passearam de mãos dadas, o banco da
praça no qual se beijaram, a sorveteria, o cinema, aquele restaurante que por
tantas vezes lhes serviram vinho e músicas românticas para que dançassem de
rostos colados. Mas a razão de seu viver já não fazia parte de seu cotidiano.
Foram tantos planos feitos juntos e todos desfeitos pela precipitação, falta de
respeito e pela enfermidade da desconfiança.
Oscar
parou diante da entrada, ajeitou seu paletó, deixou a mala do lado de fora. Nas
mãos conduzia um buquê de rosas e um bilhete escrito de próprio punho. Parou
diante de Julienne, pálido, prendendo a respiração numa apnéia que pareceu-lhe
durar uma eternidade. Contemplou aquele rosto lindo que o hipnotizara nas
praias Caribenhas, as mãos suaves de dedos longos e finos, aqueles lábios
desenhados cuidadosamente pelas mãos Divinas, cerrou os olhos e entregou-se ao
pranto.
Julienne
há pouco mais de três meses constatou um Linfoma já em metástase, o qual não
conseguia vencer pela quimioterapia. Enviou um e-mail a Oscar contando-lhe da
enfermidade e de seus receios de que não tornasse a vê-lo.
Oscar
debruçou-se sobre o corpo frio e inerte de Julienne, depositou o buquê de
flores sobre seu caixão e pediu-lhe perdão, beijando suas mãos.
Lá
fora começara a chover. O vento forte que espalhava as folhas do Bordo soprava
uma triste e silenciosa melodia pelas janelas daquele salão onde acontecia o
velório de Julienne e começaria o inferno no coração de Oscar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua opinião é bem-vinda. Todos os comentários serão moderados.