segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ciumes

     Ele a deixou em casa por volta das 23:00 h. Ela sequer olhou para trás nem tampouco se despediu como sempre o fazia. Subiu apressadamente os degraus que levavam ao seu apartamento, com as sandálias de salto nas mãos, entrou apressadamente, trancou a porta, deixou a bolsa e as chaves sobre o aparador, apoiou-se no mesmo, olhou-se no espelho que havia na parede e ficou por alguns instantes ali parada, procurando respostas que não viriam.
     Anne era uma mulher bonita, madura, pouco mais de trinta anos, inteligente, culta, independente. Seus cabelos de ébano à altura dos ombros, franja que lembravam Cleópatra, sobrancelhas delgadas e delineadas, formavam um contraste gigantesco com seus olhos claros como duas esferas de vidro que cerceavam um nariz afilado, pequeno, delicado. Seus lábios finos emolduravam sempre um sorriso que denunciava dentes perfeitamente brancos.
    Seu vestido decotado, mal conseguia conter seus seios rosados e naturais, firmes, livres de qualquer aparato que pudesse contê-los e a abertura lateral de seu vestido, que subia quase à altura do quadril, expunha, lindamente, coxas grossas, esculpidas, pele alva. Mas não é sobre o exterior de Anne que vamos falar. 
    Há quatro meses Anne conhecera Mike numa boate que frequentava com as amigas. Gentil, educado, despojado, divertido e companheiro. Ela bebia dry martini e ele, atento, pediu ao garçom que a servisse outro drink, acenando com a cabeça e sorrindo quando o garçom lhe disse que havia sido aquele rapaz naquela mesa quem havia lhe oferecido aquele drink.
     Como todo começo de namoro, tudo correu perfeitamente, pois ele se apresentava romântico, gentil, cavalheiro, compreensivo, maduro, paciente, calmo. Ele a procurava todos os dias, enviava mensagens no celular pela manhã, durante todo o dia e à noite nos dias que não a via, convivia com seus amigos e amigas e tudo parecia estar perfeitamente normal.
     Mas naquela noite, parada diante do espelho sobre o aparador, ela contemplava seus olhos, outrora brilhantes e felizes, cheios de vida e expectativas e agora turvos e cheio de dúvidas e receios. Aquele rapaz cheio de qualidades, não conseguiu sustentar as máscaras e mostrava-se ciumento ao extremo. Implicava com suas amizades, seus amigos, seus encontros com as amigas para bate-papo, não se sentia seguro quando ela saía sozinha. Sempre desconfiado, sentia-se ameaçado com qualquer ligação ou mensagem que ela recebia em seu celular, querendo saber quem era, de quem era tal mensagem? quem é tal pessoa.
     Anne não entendia o porquê de tudo aquilo, por que as pessoas agiam daquela maneira ou se sentiam assim. Em momento algum ela deu motivo, por menor que seja, para que ele sentisse ciúmes. Parece que à medida que um relacionamento avança em importância e sentimentos esse vilão vai surgindo. Claro que sentir ciúmes é, pela natureza humana, normal, mas dentro de padrões normais e aceitáveis sem ferir a liberdade do outro nem cerceá-lo com ataques descontrolados de invasão de privacidade e desrespeito ao espaço alheio. Ele deveria entender, assim como muitos outros homens deveriam, que ela se apaixonou por uma determinada pessoa, que naquele momento, conduzia personas que a conquistaram e, afinal, não lhe pertencia de fato. Ele não conseguira sustentar aquelas características que a agradaram e com o tempo, cada uma daquelas características foram atenuando ou desaparecendo por completo, por não serem verdadeiras.
     Não é de se espantar que os relacionamentos, atualmente, não se sustentem, pois as características mudam no decorrer do tempo, por não serem verdadeiras ou por não serem suficientemente fortes para se sustentarem. Por que tanto medo, tanta desconfiança, tanta vigília em cima de uma pessoa que está contigo porque quer? Não é evidente que uma pessoa está com outra porque o deseja? por que em lugar de melhorar-se, consolidar e aprimorar suas qualidades (que em teoria foram responsáveis por conquistá-la) desperdiça o tempo criando situações e episódios de ciúmes?  Por que a baixa autoestima? Na teoria (e na prática também), todos os fatores que a atraíram e fizeram-na gostar dele, uma vez potencializados, só a fariam gostar ainda mais.
    Anne sabia perfeitamente que a beleza exterior serve apenas como um fator de aproximação, mas as qualidades que sustentam uma relação, correm ao largo da efêmera aparência.
     Diante do espelho, Anne contemplava suas dúvidas, decepções e desalento. Desesperançosa, não via outra saída a não ser encerrar aquele relacionamento (mais um) e continuar sua busca por uma pessoa que pudesse entender que a fidelidade e lealdade em um relacionamento está completamente ligado à satisfação que o mesmo proporciona e ao caráter de ambos e que uma vez mantida acesa e alimentada a chama que o acendeu, diariamente, essa chama crescerá sempre... mas não... parece que aquela ideia de posse, de jargão "já ganhou", predomina e uma das partes acredita que a fase da conquista já acabou, errando de forma grosseira ao pensar assim.
    Afinal, Anne não via saída para aquele impasse a não ser encerrar seu namoro, pois ele não tinha maturidade suficiente para enxergar os sentimentos dela e confiar. Ele não entendia que quando se ama, quando se constrói com bases sólidas um relacionamento, não há espaço para a aproximação de outras pessoas. Mas isso a vida teria que ensiná-lo... não ela. Tudo que Anne sabia é que esse tipo de comportamento, não muda. As pessoas que são assim, muito raramente mudam. Podem até tentar enganar a si mesmas, com promessas de mudanças e tentativas improdutivas, mas, novamente, cedo ou tarde, as máscaras caem novamente. Anne não estava disposta a perder seu tempo nessa luta inglória.
     Anne respirou fundo, secou seus olhos, endireitou sua postura e, decidida, pegou o celular e ligou para ele:
- Pode voltar aqui em casa, por favor? precisamos conversar.

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