sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

The Gentleman

                Embora Jim não gostasse de redes sociais, resolveu cadastrar-se em um daqueles sites de relacionamentos, que prometem ajudá-lo a encontrar pessoas agradáveis e completamente compatíveis com seu perfil e modo de vida. Precisava criar um perfil, escolher ou não um apelido ou usar seu próprio nome. Mas usar seu nome soava estranho, falso (fake, como dizem no jargão da internet) afinal fora batizado como Jim Morrison pois seu pai era um fã incondicional da banda The Doors e resolvera homenageá-lo (ou castigá-lo) tornando seu primogênito um homônimo do líder daquela famosa banda. Resolveu adotar um pseudônimo para as redes sociais e escolheu “The Gentleman”. Isso mesmo, em inglês, assim já eliminaria da lista as pobres almas que não conseguissem sequer usar um tradutor do google para saber o que significava “The Gentleman”.
                A parte mais difícil era falar sobre si. O que escreveria a seu respeito? Não queria redigir um dossiê de sua vida. Não queria nada entediante. Acreditava que conhecia a si próprio mas falar de suas qualidades e defeitos o deixara completamente mudo e sem palavras. Se exaltasse muito suas qualidades poderia parecer esnobe; se exaltasse muito seus defeitos, poderia parecer piegas ou até mesmo assustar as futuras pretendentes. Escolheu o caminho do meio, como aconselha a sabedoria chinesa. Seu perfil ficou assim: “Homem maduro, inteligente, simples, sincero, um pouco impaciente, muito romântico, olhos cor de mel, 1.79 m., tipo físico atlético, praticante de esportes, sem vícios e solteiro”.
                As primeiras mensagens não demoraram a chegar, embora a maioria fossem apenas “Oi, tudo bem?”. Incrível como faltam assuntos para a grande maioria das pessoas.  Jim poderia classificar as mensagens em três categorias: desinteressantes, pouco atrativas, indiferentes. Raramente conseguia encontrar alguém que lhe prendesse a atenção. Jim acreditava que aquelas pessoas tinham os diálogos salvos em algum documento do word, com as perguntas prontas, bastando copiar e colar ali no chat, pois eram sempre as mesmas: “Onde mora?”, “Qual sua idade?”, “O que faz da vida?”, “Tem filhos?”, “Mora com quem?”. Surpreendente alguém acreditar que tais perguntas possam esclarecer algo a respeito da vida de quem quer que seja. Qual a relevância de saber “Onde mora?”, pergunta imediatamente seguida de uma exclamação “Muito longe!!” como se um relacionamento fosse possível somente entre vizinhos? - Ponderava Jim. Ainda mais estranhas eram as frases do tipo “Onde costuma ir? Quais barzinhos?” – Como assim, quais barzinhos? Não há outras opções? Em dúzias e mais dúzias de mensagens, somente uma pessoa perguntou se “Gosta de teatro? Cinema?”, as demais vangloriavam-se de “Sair para tomar umas”. Jim não bebia... socialmente apenas... e olha lá, pois não procurava uma parceira de bar nem tampouco queria alguém que se embriagasse.
                Nesse universo de indivíduos, Jim aprendeu que a biodiversidade mental era muito mais abundante que imaginava, embora o ostracismo cultural fosse evidente na maioria das pessoas que conhecera, raros exemplares sobressaíam e conseguiam manter um diálogo que rompesse fronteiras de assuntos além dos bailes funks, shows de música sertaneja e telenovelas ou que o confundissem com psicólogo e despejassem suas frustrações com o último namorado ou seus problemas domésticos com os filhos. Jim ficou receoso de que as pessoas procurassem um site de relacionamento não com o intuito de encontrar alguém mas apenas para que fossem ouvidas, pacientemente, por um estranho que não pudesse opinar (embora pedissem conselhos) mas que estivesse ali curando as chagas de suas vidas solitárias.
                Ela parecia um oásis em meio àquele deserto de opções saudáveis e interessantes. Seu perfil descrevia uma “Mulher madura, 27 anos, olhos claros, cabelos claros, em forma, pós-graduação, gosto de cinema, teatro, restaurantes, viajar, natureza, praticar esportes, ler e uma boa música com uma boa companhia”.  O papo foi agradável, fluiu normalmente e embora o gosto pela leitura não tenha ficado evidente nas conversas, ao menos “O Pequeno Príncipe” ela leu. Jim arriscou agendar um encontro em um shopping, em um sábado próximo.
                Com as férias escolares o shopping estava muito cheio, principalmente de adolescentes e famílias com crianças, aumentando o burburinho característico. Jim procurou uma mesa na área de alimentação e por sorte encontrou uma bem diante do elevador e da escada rolante que permitia o acesso à área de alimentação. Jim chegara mais cedo, claro, pois jamais faria alguém esperar por ele, ainda mais no primeiro encontro. Como não haviam combinado o local exato, ligou e disse exatamente onde estaria, recebendo a confirmação de que em vinte minutos ela chegaria. Jim não tirava os olhos da escada e do elevador, as duas únicas vias de acesso ao lugar onde estava.  Cada mulher que subia, Jim observava. Torcia para que algumas fossem a que esperava e também para que outras passassem direto. Mas ela havia facilitado sua curiosidade e havia dito que usaria um vestido azul marinho, pouco acima dos joelhos e uma bolsa também azul. Não era muita coisa, mas servia como critério de eliminação.
                Jim nascera em uma família de recursos modestos, mas seus pais lhe deram o primordial, uma ótima educação e ambiente saudável, princípios e honestidade. Seus pais, embora semianalfabetos, sempre lhe compravam livros e Jim adorava ler, desde que fora alfabetizado, nunca parara de ler e sabe-se lá o porquê, seus escritores favoritos eram Fernando Pessoa e Gabriel García Marquez. Seu gosto pela leitura, música e artes sempre foram expressivos em sua infância e desde a adolescência Jim preferia as canções românticas às músicas que estavam na moda em sua juventude. O romantismo era nato naquele rapaz que observava seu irmão corresponder-se através de cartas (isso mesmo, cartas) com mulheres de todo o país. Incrivelmente elas respondiam e a cada semana o carteiro entregava dezenas de cartas. Já naquela época seu irmão usava, em suas cartas, o pseudônimo de “jovem triste”, que lamentavelmente veio a se comprovar durante sua introspectiva e solitária existência (que Deus o tenha).
                Primeiramente os cabelos castanhos dourados, como as nuvens iluminadas pelos primeiros raios de sol de uma manhã de outono, lambendo seus ombros nus como as águas de uma cascata de águas cristalinas e em seguida os olhos claros, contornados por uma sombra levemente esverdeada, lápis escuros marcando suas pálpebras, tornando ainda mais evidentes aqueles olhos quase translúcidos que ladeavam um nariz perfilado que repousava logo acima daqueles lábios carnudos e perfeitos, queixo angular, braços fortes, seios médios e beneficiados pelo seu decote em “V” que descia até a altura do abdômen firme e sem gordurinhas abdominais, cintura marcada pelo vestido justo ao corpo e que descia até pouco acima do joelho, evidenciando pernas que certamente praticavam aulas de musculação e, salto alto, caminhava delicada e graciosamente em sua direção. O colar e brincos com pedras escuras criavam um contraste naquela pele alva e de aparência sedosa, que caminhava em sua direção, abrindo um sorriso ainda tímido e contido.  Jim, de olhos grudados naquela silhueta que se dirigia até ele, sinalizou discretamente, levantou-se para recebê-la, convidando-a para sentar-se e iniciaram um longo diálogo a respeito de suas vidas.
                Duas semanas se passaram e Marianne aparentava ser uma pessoa centrada, madura, segura de si, carinhosa. Jim e Marianne se encontravam praticamente todos os dias, claro, pois o desconhecido, a conquista, as primeiras descobertas, tudo é muito encantador. Jim, que fazia jus ao apelido “The Gentleman” era calmo, sempre conversava com voz pausada e em tom baixo, atenuado, valorizava na vida o que realmente importa e agrega valores à sua vida. Marianne, ao final da quarta semana, não conseguia mais esconder que começara gostar de Jim. Luis Vaz de Camões estava correto quando escreveu “O amor é fogo que arde sem se ver” pois quando “acordamos” dos pensamentos ou dos sonhos, surpreendemos a nós mesmos apaixonados. Marianne, talvez, começara a sentir-se apaixonada por Jim, pois a paixão além de despertar os melhores sentimentos que temos guardados, também descobre as imperfeições que tentamos esconder. Com Marianne não foi diferente. Vítima de suas imperfeições, como todos as têm, Marianne começara mostrar-se muito ciumenta, criava e alimentava situações que só aconteciam em seus pensamentos e repentinamente mudava seu humor. Jim era um homem quase sempre bem-humorado e essa era uma característica que ele buscava numa mulher. Marianne, tentarei reproduzir o diálogo aqui, buscava, quando não existia, motivos para alimentar seus ciúmes e sua vontade intrínseca de brigar e discutir, como quando num dos passeios pelo shopping, aconteceu o seguinte:
- Jim, veja esse vestido.
- É bonito, Marianne. Gostei.
- Você gostou Jim?? Então você quer que eu use um vestido assim? Quer ver sua namorada vestida como uma “piriguete” num vestidinho curto assim?? É esse tipo de mulher que você quer ao seu lado Jim? Pois eu não sou assim não, se você quer sair com uma “piriguete”, pode procurar outra pessoa.
- Marianne, você me perguntou se eu gostei do vestido, eu apenas respondi que sim. Não necessariamente que queria que você usasse um, mas eu acredito que você ficaria bem nesse modelo. Além do mais o que define uma “piriguete” são suas condutas e não suas roupas. Existem “piriguetes” vestindo tailleur.
- Pois você nunca vai me ver usando um vestido assim Jim, pode procurar outra pessoa se você quer alguém que use um vestido sem-vergonha desses.
                Jim calou-se enquanto Marianne continuou seu sermão por alguns longos minutos enquanto caminhavam pelo shopping, até que Jim pediu gentilmente que Marianne encerrasse aquele assunto. Primeira discussão no prazo de poucas semanas. O assunto do vestido ainda veio à tona por Marianne nas duas semanas seguintes. Outros motivos, sempre banais, também surgiram no decorrer do tempo. A Marianne que nas duas primeiras semanas mal se importava com as ligações que Jim recebia dos amigos, já não conseguia mais ficar calada sem perguntar “Quem é que está te ligando?” nas demais. Marianne, que nunca fora adicionada por Jim à sua rede social, agora sentia necessidade de que Jim a adicionasse, pois queria “Ver as fotos das mulheres que estão no seu face”. Algumas outras situações semelhantes aconteceram nos dias seguintes e que antecederam o dia em que Jim olhou Marianne nos olhos e disse: “Marianne, você está ficando chata!”.
                Jim lembrou-se imediatamente da magnífica lição de Zaratustra: “Ditoso é o homem que pode zombar de si mesmo!” e começou a ponderar a respeito de sua solidão, se não estaria melhor sozinho do que agregando um “inferno” à sua vida. Por que as pessoas (homens e mulheres) em sua maioria são assim? Quadros belíssimos à primeira vista e aquarelas quando examinados mais atentamente. Não deveria ser o contrário? Não bajular tanto os olhos alheios, mas escancarar suas qualidades após se conhecerem? Ao menos aqueles que se deixam conhecer? Jim pensava exatamente dessa maneira. Claro que o primeiro contato é o visual, mas esse deveria durar muito pouco pois é efêmero. A verdadeira obra de arte de um ser humano encontra-se em sua alma, em sua personalidade, suas condutas e maneiras de lidar consigo e com as pessoas. Jim aprendera isso ao longo de sua vida. Por isso Jim era encantador, embora não fosse um homem que arrancasse interjeições por sua beleza. Não... Jim era charmoso, simpático, romântico, encantador como homem e como pessoa. Jim refletia sobre alguns aspectos dos relacionamentos. Por que as pessoas mudam? Por que a necessidade de sentir ciúmes? Se alguém está com uma pessoa é porque assim o quer, caso contrário estaria com outra. Por que criar, fantasiar ou imaginar situações que despertem ciúmes? Se não confia em seu parceiro(a) o melhor a fazer é encerrar o relacionamento, seguir cada um seu caminho.
                Em sua experiência nas redes sociais, Jim conversou com diversas mulheres e conhecera algumas pessoalmente, mas, definitivamente, somente a convivência é capaz de derrubar máscaras, evidenciar personas, extrair das pessoas aquilo que elas escondem ou simulam nos primeiros encontros. Marianne ainda não era a pessoa certa para Jim, pois ainda faltava em Marianne a autoconfiança, a segurança de que era uma mulher bonita, inteligente e que não precisava ser tão ciumenta e briguenta. Jim levava uma vida tranquila, era totalmente irracional agregar a essa vida alguém que parecia sentir prazer em criar pequenas intrigas. Jim queria agregar paz e harmonia em sua vida, Marianne seria uma turbulência nela.
                Jim convidou-a para se encontrarem e diante de Marianne resolveu colocar um ponto final naquela incipiente relação. Olhou-a nos olhos, tomou suas mãos, respirou fundo e disse que queria encerrar aquela relação. Mesmo incipiente a relação, não é fácil para nenhuma das partes o rompimento. Mas é necessário. Pior seria levar adiante e apenas adiar o que um dia seria inevitável diante de todo o quadro que ali se desenhava. Jim fitou seus cabelos dourados, seus olhos claros e brilhantes, o rosto perfeitamente desenhado, o corpo esculpido à semelhança de Vênus, literalmente uma mulher muito bonita, mas isso não era tudo e a parte que faltou agregar à beleza daquela mulher foi determinante para que se separassem. O belo nem sempre está diante dos olhos.
                Jim deixou seu trabalho, no final de mais um dia de sexta-feira. O final de semana se aproximava. Uma vez mais Jim estaria sozinho. Chegou em seu apartamento naquela noite de sexta-feira, tomou um banho refrescante, olhou-se no espelho, sorriu para si, colocou seus fones de ouvido, escolheu um playlist de blues, pousou sua cabeça, em paz, no travesseiro, e adormeceu com um leve sorriso nos lábios.

3 comentários:

  1. Love is like a journey on the sea. It needs a communion between the sailor and his boat...and both to adapt to the difficulties of the journey. They need to become ONE and face the storms and enjoy the good weather.

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