Ah! Veruska!
(Conto premiado em primeiro lugar no concurso literário do SESI / Academia Goiana de Letras)
O
relógio marcava quase dezenove horas naquele início de noite de sábado. Veruska
abriu a torneira que fazia encher a banheira enquanto terminava de se despir.
Sentou-se à borda da banheira, espalhou sais de banho e esboçou um sorriso
amarelado quando o fez.
Veruska
era uma linda mulher que aos trinta anos aparentava dezesseis. Cabelos dourados
e cacheados, maçãs do rosto salientes, olhos suavemente azulados, pele clara
que denunciava não ser adepta aos bronzeamentos, nariz perfeitamente esculpido,
boca com lábios harmonicamente carnudos e corpo de menina em maliciosas curvas
de mulher.
Veruska
permanecia solteira à espera de um príncipe encantado que saltasse das páginas
de um conto de fadas e a tomasse nos braços com promessas de viverem felizes
para sempre.
Raul
surgiu em sua vida quando estava fragilizada pelo rompimento de um
relacionamento, trazendo novas promessas de acolhimento, companheirismo e
principalmente paz. Raul era um homem de 38 anos, caucasiano, voz pausada. Não
demorou a apaixonar-se por Raul. Veruska adorava acordar e sentir aqueles
braços fortes a envolvê-la e sentir aqueles lábios em seu pescoço com um
sussurro de bom dia.
Naquela
noite de sábado, Veruska abriu uma pequena caixa de joias que estava guardada
na cômoda, retirou uma aliança de ouro cravejada, cuidadosamente escolhida por
ela, como sua aliança de casamento. Olhou-a demoradamente, suspirou, colocou a
aliança em seu dedo e esticando o braço, observou-a em sua mão esquerda.
Aquela
noite de maio jamais seria esquecida. Radiante e sorridente, Veruska passou o
dia se preparando para aquele momento. Banho de pétalas de rosas, massagem
relaxante, cabeleireiro e finalmente o vestido de noiva, com véu, grinalda e de
cauda enorme como sempre sonhara.
A
viagem para a noite de núpcias foi perfeita. Saíram da igreja direto para o
aeroporto, reservas feitas no hotel Martina
al Colosseo em Roma, Itália, bem próximo ao Coliseu.
Embora
o Coliseu estivesse fechado para visitação pública, Veruska conseguiu convencer
o vigia local de que seria muito breve sua incursão pelas ruínas. Veruska
segurou a mão de Raul e praticamente o arrastou pelos corredores e aposentos em
ruínas.
Veruska
empurrou Raul de encontro à parede de uma dessas celas, atirou-se em seus
braços, num beijo ardente, depois girou seu corpo, ficando ela contra a parede,
puxou Raul para si, arrancando-lhe o paletó e suspirou quando sentiu suas unhas
deslizando pelas suas coxas levantando o vestido preto rendado. Veruska sempre
sonhara em fazer amor ali no Coliseu.
Havia
muitos lugares a conhecer e Veruska queria eternizar todos esses momentos ao
lado de seu amado. Se aquele homem era um sonho, ela não queria acordar nunca
mais.
Veruska
abriu os olhos, retirou lentamente a aliança do dedo e atirou-a violentamente
contra a parede turvando seus olhos doces e azulados. Com a respiração
acelerada e cerrando os dentes, soltou um grito ao lembrar-se de que Raul lhe
dissera que viajaria a trabalho. Cuidadosa, nunca deixava Raul esquecer-se de
nada quando ele viajava e tampouco tinha o hábito de mexer nos pertences de
Raul. Porém, a maleta de Raul havia sido mal fechada e quando Veruska segurou-a
pela alça, abriu-se e espalhou papéis pelo tapete do quarto. No meio desses
papéis, dois bilhetes para um show que aconteceria na noite seguinte, em uma
cidade vizinha, de uma banda que Veruska adorava. Veruska até pensou que seria
uma surpresa para ela mesma, mas refutou a ideia. Nesse momento sentiu seu
coração sair disparado pela boca, desapareceu o ar de seus pulmões e a cabeça começou
a girar.
Qual
a razão daqueles dois ingressos? Veruska não queria acreditar no que acontecia
e resolveu não dizer nada a Raul.
Assim
que Raul despediu-se e saiu, Veruska foi até o aeroporto e dirigiu-se ao balcão
da companhia aérea pela qual Raul afirmara que viajaria. Sentiu náuseas e
empalideceu quando a atendente afirmou que não havia nenhuma reserva sob aquele
nome. Veruska resolveu que iria, sem avisar, até o local do show.
Veruska
observava as pessoas chegando para o show. Foi quando seu sangue esvaiu-se de
cada veia, cada vaso e nem o gelo seria tão frio quanto sua pele naquele
momento em que, subindo as escadas do teatro, chegavam de mãos dadas e dedos
entrelaçados, Raul e outra mulher, sorridentes, animados, íntimos. Veruska
quase desfaleceu, sua respiração ficou curta, faltava-lhe ar suficiente para
inflar os pulmões e oxigenar seu coração. Raul e a mulher pararam por instantes
na fila, ele acariciou o rosto dela, afagou seus cabelos, beijou-a nos lábios
delicadamente da mesma maneira que costumava beijá-la e entraram no teatro.
Veruska
decidiu não assistir ao show. Voltou caminhando a passos ébrios até o
estacionamento enquanto se lembrava de seu último diálogo com Raul.
- Oi
querida, já cheguei a Buenos Aires. Está tudo bem por aí?
- Oi
Raul, está tudo bem meu amor. Como foi a viagem?
-
Correu sem problemas querida, está muito frio aqui em Buenos Aires, fiquei
feliz ao abrir a mala e ver que você não se esqueceu do meu casaco.
-
Sim, eu imaginei que pudesse estar frio mesmo.
-
Obrigado meu amor, você sempre pensa em tudo e cuida muitíssimo bem de mim.
Agora preciso desligar, pois teremos um jantar de negócios daqui a pouco. Amo você
minha Veruska e não consigo imaginar minha vida sem você.
-
Beijos querido.
Quanto
mais Veruska se lembrava do diálogo travado entre ela e Raul, provavelmente
realizado diante daquela mulher, fazendo com que ela, Veruska, assumisse o
papel de palhaça, mais raiva ela sentia.
O
barulhinho da água que enchia a banheira cessou, Veruska levantou-se, caminhou
lentamente até a banheira e sentou-se, mergulhando até que a água cobrisse
parte de seus ombros. Estendeu a mão e pegou a lâmina que havia colocado ao
lado da saboneteira. O espelho de cristal refletia da posição na qual se
encontrava a banheira, um quadro com a gravura de um casal sentado em um banco
à beira de uma praia, já idosos, mas abraçados. Era assim que Veruska queria
envelhecer.
Segurando
a lâmina com a mão esquerda, pois Veruska era destra e teve receios de não ter
a habilidade necessária para usá-la com a outra mão quando fosse necessário,
selou seu destino com um corte firme e profundo em seu pulso direito, sentindo
uma dor que, entretanto não se comparava com as chagas abertas em seu coração e
sua alma. Enquanto lágrimas corriam pelo seu rosto e o pranto em soluço tornava
difícil a execução de seu derradeiro ato, com dificuldade conseguiu segurar a
lâmina e desferir o segundo corte, dessa vez em seu pulso esquerdo. A água
turva e carmim, contrastava com as cristalinas lágrimas que percorriam seu rosto,
contornando seu nariz perfeito e seus lábios, escorrendo pelo seu queixo e se
perdendo misturadas pelas ondas que seus soluços provocavam na água. Veruska viveu
à espera de um grande amor que nunca chegara, nunca conhecera e naquele
momento, entre pranto e sofrimento, marcou seus pulsos com sua desistência.
No
teatro, enquanto Veruska silenciosamente se despedia, Raul sorria e desdenhava,
dizendo à mulher ao seu lado que aquela música, que naquele instante tocava era
a preferida de sua "amada".
Excellent! But you are better and better in your writing...I am sure you will gain more and more on this path!
ResponderExcluirBem tocante o texto, parabéns pela colocação no concurso, foi em 2013? Bj
ResponderExcluirmuito perfeito as palavras o conteudo tbém amigo Sun.
ResponderExcluire paraabéns pelo premio merecido
lindo conto parabéns realmente foi digno do primeiro lugar deveria escrever mais porque não fazer um livro de conto
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