terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nem tudo que reluz...


...ela olhou para o celular e não encontrou nenhuma mensagem dele. Todos os dias ele lhe 
enviava mensagens logo ao acordar, desejando-lhe bom dia, enviando beijos, externando sua 
saudade. Porém, naquele dia, não. 

Ela sentou-se na cama, preocupada, pegou o celular e ligou para ele mas caiu na caixa postal. 
Ainda insistiu por diversas vezes, sem sucesso e também enviou-lhe mensagens. Olhou 
aflita para o despertador. Ainda eram 7:00 h. e ele só chegaria no trabalho às 8:00 h. Milhares de 
pensamentos açoitaram lhe naquele momento. Ele sempre ligava, mesmo quando viajava a 
trabalho, não deixava de ligar um dia sequer. Será que está bem? será que acidentou-se? afinal 
ele adorava motocicletas e não pilotava devagar. Será que perdeu a hora e ainda está dormindo? 
não, claro que não - refutou - o celular estaria ligado caso ainda estivesse dormindo, pois ele o 
usava como despertador. Os pensamentos mais equilibrados foram desaparecendo lentamente e 
cedendo lugar àqueles maliciosos e desconfiados. Não, ela não acreditava que ele pudesse 
estar com outra pessoa. Mas... e se estivesse?. Ela iria até lá... isso mesmo... ela precisava ir 
até lá e certificar-se de que ele estava realmente só em casa. Mas... quem poderia ser? aquela 
amiga de trabalho? talvez... eles sempre demonstraram uma amizade excessivamente 
carinhosa... aquelas amigas do facebook?... talvez... ele tem muitas amigas bonitas... mas qual 
delas seria? Ele sempre foi muito gentil, educado, carinhoso com todos que conhecia, um 
romântico e as mulheres reconheciam esse seu aspecto. Ah! mas ela descobriria... e ele ouviria 
poucas e boas. Como pode traí-la daquela maneira? Ela sempre fora fiel e leal ao seu amor. 

Seus olhos perderam o brilho da saudade e escureceram. Levantou-se da cama, foi até a estante da sala onde havia um cisne de cristal sobre a mesma. Ela fitou o cisne e as lembranças vieram à tona.

Era um dia de domingo ensolarado. A primavera chegara trazendo cores e alegria à soturna paisagem urbana. Ela abriu as janelas, vestiu uma malha para ginástica e foi caminhar à beira do lago. Seus cabelos presos, um boné para proteger-se do sol, calça de malha de cintura baixa, à altura de seu sinuoso quadril deixando sua barriga esculpida à mostra, top de malha que mal cumpriam seu papel de ocultar seus seios, tênis, um MP3, fones nos ouvidos e foi caminhar. Ela gostava de caminhar ali à beira do lago. Era um parque público, arborizado, com uma pista para caminhadas ao redor, um playground ao centro, bancos, quiosques onde vendiam água de coco, vitaminas, etc. Ao final do dia e pela manhã, muitas pessoas iam ali para caminhar, correr ou apenas passear. 

Ela já completara sua terceira volta naquela pista que media 2,5 Km de extensão. Já estava exausta e só não havia parado porque ele corria em sentido contrário, reduzia a passada a cada vez que cruzavam na pista. Desde longe ele já começava a fixar seu olhar em seus olhos. Na primeira volta, ela tirou o olhar, sustentou um pouquinho na segunda volta e na terceira ela queria que ele a fixasse, fizesse meia volta, emparelhasse a ela e começasse a conversar. Mas passou a terceira volta e nada, ele passou direto, fixando o olhar mas não se deteve. Ela continuou sua caminhada, parou nos aparelhos de ginástica para se alongar e já estava no final de seu alongamento, pronta para voltar pra casa quando ouviu uma voz grave, porém doce, às suas costas.
- Oi, como vai? já terminou?
Ela nem se virou de imediato, pois suas pernas definitivamente perderam as forças. Suas mãos congelaram e suaram ao mesmo tempo que seu coração retomou o ritmo acelerado e batia frenéticamente. Instintivamente ela sabia quem era quando virou o rosto e confirmou que sim, era ele quem estava ali parado ao seu lado, suado, convidativo como um banquete de feromonas. Ele era alto, seu rosto mal alcançava seu peito, estrutura física atlética, ligeiramente acima do peso, mas devia ser por isso que ele estava ali, correndo, mas seu olhar era doce, extremamente gentil e educado. As palavras não lhe saíam da garganta quando timidamente ela balbuciou alguma resposta. Após as devidas apresentações, começaram a conversar e foram caminhar bem ali próximo ao lago, sentindo a brisa fresca daquela manhã de domingo de primavera. Dali em diante, tudo seria perfeito. Na saída do parque, naquele dia em que se conheceram, ele comprou um cisne de cristal (era de vidro, feito artesanalmente por aquelas pessoas que vendiam artesanatos ali por perto), mas era bonito e delicado como cristal e pediu que o guardasse, como lembrança do dia em que se conheceram. Chegando em casa ela o colocou sobre a estante da sala, onde poderia vê-lo e recordar-se todos os dias.

Ela pegou o cisne, com os olhos irradiando raiva e atirou-o com força contra a parede, partindo-o em centenas de pedaços. Perdera seu valor, já não importava mais diante daquela traição. Por que ele não veio falar com ela antes de se atirar nos braços de outra? Ela não compreenderia, mas teria que aceitar suas decisões. Não se pode exigir o amor de ninguém nem pedir que jamais deixe de amá-la, mas ela esperava que ele encerrasse sua história com ela antes de iniciar um affair com outrem. Com o ódio estampado em seus olhos e coração, ela não ouviu quando a campainha de seu apartamento tocou, e muito menos ouviu seu celular tocando, esquecido lá no quarto. Quando percebeu que alguém fixara o dedo na campainha de seu apartamento e não mais tirou, fazendo soar incessantemente aquele barulho que lhe mexia com os nervos, foi atender impaciente. Quando abriu a porta, ele estava ali parado, um pouco assustado, um ramalhete de rosas e um presente cuidadosamente embrulhado em uma das mãos e uma cesta de café da manhã em outra, estático. Com uma expressão de espanto e um sorriso que demonstrava claramente não saber o que acontecia, ele estendeu a mão com o presente e o ramalhete de rosas e disse, em seu tom calmo e característico:
- Feliz aniversário meu amor! desculpe vir sem avisar mas queria lhe fazer essa surpresa e desejar-lhe um bom dia pessoalmente. 

Sim, ela havia se esquecido que era o dia de seu aniversário. 
Num canto da sala, espalhado precipitadamente em minúsculos pedaços, o cisne de cristal. 
Em seu coração, espalhados em minúsculos sentimentos, o remorso.

"Aprendi que para amar as virtudes e belezas de uma pessoa é necessário enxergar e 
compreender os defeitos e vicissitudes também. Sim, compreender... muito diferente de aceitar, 
que sinaliza passividade, enquanto a compreensão exige desprendimento e caminhar em 
direção ao outro."  (Carlinha)

2 comentários:

  1. Citando o que meu velho pai dizia: "Nem tudo que reluz é ouro. Nem tudo que balança, cai."

    Obrigada pelo prazer de lê-lo ao final de um dia árduo de trabalho. bjs

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  2. Eu aprendi com o tempo e confesso, depois de me magoar muito, que sofrer por antecedência machuca por mais tempo...Eu, ariana torta, tento me controlar,mas nem sempre consigo é uma coisa que estar em mim e "tentar adivinhar" é uma das coisa que sei fazer, justamente pelo fato de ter uma imaginação bem fértil!
    Há, compreender também é meu forte...sendo que as vezes eu deveria ser simplesmente passiva...mas não seria eu !

    Obrigada!

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