terça-feira, 23 de julho de 2013

Há 32 anos...


     Ele abriu a gaveta de sua cômoda e tirou a folha de papel cuidadosamente guardada, propositalmente,  dentro do livro "Cem anos de solidão" de Gabriel García Márquez. A página amarelada pelo tempo, estivera ali por 32 anos, durante toda sua vida, desde que fora escrita. Com caligrafia já transformada, pois ele era muito jovem quando a escreveu, despontavam rimas não muito bem formadas, mas adequadas à sua imaturidade e juventude.  Ali havia um poema e uma tímida declaração de amor que ele escrevera. 
     Era junho de 1981, noite de festividades de São João. A festa seria na quadra esportiva do colégio onde cursavam o colegial. Bandeirolas coloridas, fogueira artificial, barraquinhas de guloseimas típicas da festividade, música, pessoas sorrindo. Vários grupos já haviam se apresentado nos concursos de danças características e ele preparava-se para ir embora quando na saída, ele a encontrou. Ela acabara de chegar. Seu coração bateu mais forte, descompassado, como se quisesse escapar pela boca e sair correndo de encontro ao dela. Ela estava linda, de penteado e cabelo preso, vestindo calça de tecido e sapatos pretos, blusa branca com detalhes de renda na frente, de mangas compridas, exibindo um batom vermelho naqueles lábios perfeitos, sombra nos olhos castanhos brilhantes e aquele sorriso... ah! aquele sorriso maravilhoso que fora um dos elementos que o fizeram apaixonar-se por aquela menina de voz doce e que o apelidara carinhosamente com o diminutivo de seu nome. Ah! aquele sorriso lhe tomava horas de sono, roubava-lhe o sossego da alma que ansiava pelo anoitecer apenas para voar por onde voam as almas e sonhar com aquele rosto lindo com uma marquinha no queixo, uma pinta, que o tornava ainda mais charmoso.
    Ah! como ele amava visitá-la em casa, apenas para ficar pertinho, para sentir suas mãos pousando sobre as suas, sobre seu braço, num gesto que ela repetia com muito carinho. Como era bom passar aquelas tardes ao seu lado. Ele logo se formaria no colegial e então a veria com menor frequência pois ele cursava o 3º ano e ela cursava o 2º. 
     Ao vê-la naquela festa junina, tão linda, tão deslumbrante, como ela sempre fora, e ainda é até hoje, ele resolveu munir-se de coragem e, muito tímido como de fato era, escreveu-lhe um poema de própria autoria e um bilhete no qual ele declarava seu grande amor. Seus planos eram visitá-la, conversar como sempre  faziam e nos acréscimos do segundo tempo, já despedindo-se para ir embora, entregá-lo para que ela pudesse ler a respeito de seus sentimentos. Mas isso não aconteceu.
     Como era de costume, ele chegou naquela tarde ensolarada, parou diante do portão e chamou-a. Ela saiu da casa vestindo um shortinho cor cinza e uma camiseta regatas com listras coloridas, cabelos presos e o característico sorriso lindo emoldurado naquele rostinho perfeito. Sentaram-se na varanda da casa, naquelas cadeiras de fios de plástico e conversaram normalmente como sempre fizeram. Ele mal conseguia respirar naquela tarde. Seu coração era uma locomotiva fumegante e a todo vapor, impulsionado pela ansiedade. Mas uma frase veio destruir suas esperanças, jogar por terra tudo que havia planejado, borrar com lágrimas surdas e contidas as palavras que na noite anterior ele transcrevera de seu coração para aquele papel em seu bolso, de onde jamais sairia. Na frase ela perguntara se ele havia visto um de seus amigos, e completou que ele a rondava e a pedira em namoro. O dia fez-se noite, a tarde fez-se pranto abafado no peito e engolido a seco para que ela não notasse a tristeza e o desespero em seus olhos. Não... não era hora de fraquejar. Sem outra alternativa, ele a felicitou e desejou-lhe felicidades pois o outro era um bom rapaz. Despediu-se e foi para casa, com o poema e a declaração em seu bolso (seu primeiro erro), com a cabeça girando a milhares de rotações por minuto. 
     Aquela quinta-feira arrastou-se melancolicamente, a sexta-feira assemelhava-se a um sepulcro e então no sábado ele decidiu procurar alguém para namorar. A primeira que fosse, que lhe desse oportunidade, ele namoraria (seu segundo erro). E assim o fez. Ele afastou-se o máximo que podia, daquela que era a dona de seu coração, pois não suportava olhá-la e não tê-la. Procurou ocupar seu tempo com a namoradinha que, vítima de suas atitudes desesperadas e imaturas de tentar curar uma paixão não correspondida com outra, sucumbira mais adiante às vésperas de seu casamento. Não, ele não poderia se casar sem amá-la. Seria doloroso mas tomou a decisão de romper o noivado. Mudou-se de cidade, estado, no dia seguinte ao rompimento de seu noivado, numa tentativa insana de manter-se o mais distante possível daquela que ele desejava tanto esperá-la no altar. Morou em vários lugares, vários estados, várias cidades, mas nunca deixou de amá-la (nem poderia). Soube em determinada época que ela havia se casado, pondo um derradeiro ponto final em todas as suas esperanças. Anos depois, ele retornou à sua cidade e foi visitá-la, na ocasião do nascimento de sua primogênita. Foi uma visita rápida, pois ele sentia-se completamente desconfortável ali, diante da mulher que ainda fazia o chão desaparecer sob seus pés. 
     Os anos se passaram, cada qual tomou rumos diferentes em suas vidas. Ele perdeu completamente o contato com seu grande amor. Percorreu o bairro onde ela morava, mas já haviam se passado anos e tudo estava muito diferente, não conseguindo enfim encontrar a casa onde ela morava. Foi até a casa onde na adolescência ela morou e perguntou aos moradores atuais se eles conheciam seu endereço, mas tudo em vão. Repentinamente, ele a reencontra e a alegria invade e inunda seu coração e sua alma. Ela em nada mudara, o tempo não teve efeito algum sobre aquele rostinho lindo. Ansioso para ouvir suas histórias e preencher as lacunas desses 32 anos ele a convida para tomarem um café juntos, insiste e a convida por diversas vezes, até resolver perguntar-lhe por que ela o evitava. Sua resposta o surpreendeu... muito. Ele então resolveu contar-lhe sobre o bilhete com que chegara e voltara em seu bolso, há três décadas. E atônito, descobre que ela havia lhe perguntado sobre o amigo, apenas para checar sua reação (terceiro erro), para descobrir se ele tinha algum interesse por ela (claro que ela sabia que sim, que ele a amava). 
     Foram erros fatais que mudou completamente o destino de ambos. Ela não precisava fazer aquele teste. Ele não deveria ter ido embora com a carta no bolso sem entregá-la. Quantas lagrimas foram derramadas por anos e quanta tristeza fez morada em seu coração por dois, apenas dois equívocos cometidos por ambos. Hoje poderiam e ele acredita que certamente estariam casados, felizes, realizados. Mas em lugar disso, restou a frustração de nunca terem possuído o que sempre lhes pertenceu de coração e de direito.
   Hoje ele ainda recorda a canção que ele ouviu por anos seguidos ( http://www.youtube.com/watch?v=oBUkS_iD7gw ) a lhe embalar e secar as lágrimas derramadas por aquela mulher maravilhosa que sempre foi sua, sem nunca ter sido.
     Mas nunca é tarde para ser feliz.

2 comentários:

  1. Continue tentando e...errando...se for o caso.
    É isso que dá sentido a essa nossa insistência de viver, de continuar...
    Bjs

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  2. Lindo e verdadeiro demais... Texto excelente!
    Parabéns! :)

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