quinta-feira, 11 de julho de 2013

Poliana, de flor em flor...

     O celular despertou antes das 6:00 da manhã. Poliana, como gostava de ser chamada, era atualmente um arquétipo vivo de uma caixinha de Pandora. Abriu os olhos lentamente, desligou o alarme do celular, espreguiçou lentamente, bocejou e olhou à sua volta. Por instantes aquele quarto lhe pareceu estranho, porém não de forma surpreendente, pois nos últimos dias, consecutivamente, acordara em quartos de casas diferentes. Virou-se na cama lentamente, olhou atentamente aquele homem deitado ao seu lado, tentou recordar-se das últimas noites em claro, sem no entanto confundir as pessoas. Sentou-se na cama, não se importando se o acordaria, pois algumas vezes ela não ia em seu carro para seus encontros, como era o caso daquele dia, no qual ele teria que levá-la até sua casa. Em outras vezes ela ia em seu próprio carro e ali mesmo no porta-luvas, deixava seus celulares no silencioso, para que não fosse incomodada em suas noitadas. Poliana levantou-se, foi até o banheiro, ainda completamente nua, enquanto seu amante ainda permanecia na cama.

     Olhou-se no espelho. Poliana, uma mulher madura com pouco mais de 40 anos, recém separada. Ela fez uma leitura rápida de seu reflexo no espelho. As marcas do tempo já estavam bastante visíveis em seu rosto, nos fios de cabelos brancos que insistiam em surgir entre os outros que foram pintados. Poliana estava bem acima do peso, considerando sua estatura, o que lhe conferia umas gordurinhas localizadas na barriga, nos braços, pernas, sob o queixo, tornando seu rosto muito mais arredondado do que realmente era. Celulites e estrias lhe incomodavam, seu corpo já não possuía mais aquelas linhas perfeitas e sinuosas da juventude, ou de alguns anos atrás, mas suas experiências eram fartas. Antes, Poliana escolhia. Tinha o poder de apontar o dedo na direção de qualquer exemplar do sexo masculino e arrastá-lo para seu mundo de prazeres. Hoje, a decisão não é somente dela, pois, na cidade em que Poliana vive, existem muito mais mulheres (em sua maioria lindas e de corpos maravilhosos) do que exemplares masculinos. Por vezes, Poliana acordava em um quarto de uma casa enorme com piscina, em outras,  num quarto de apartamento.

     Poliana deteve-se por alguns instantes, pensamento perdido em seu reflexo no espelho. Seus olhos nem mais a fitavam, eles estavam perdidos em suas lembranças. Procurou na pia sua escova dental, mas... que bobagem! ela não estava em sua casa. Seus apetrechos pessoais estavam em sua bolsa. Mais uma noite se passou. Suspiros, gemidos, prazeres. Ao menos seu corpo estava satisfeito. Faltava-lhe saciar a alma, o coração, mas esse seria um pouco mais complicado, haja vista que aquele que ocupou seu coração por muitos anos, havia desocupado seu lugar permanente, deixando apenas algumas vagas de aluguel. Poliana sentia saudade daquele que fora seu maior e grande amor. Como uma borboleta, vagava de flor em flor, mas o perfume único e delicioso da pele daquele que foi seu companheiro por anos, que ela ainda guardava na memória
e resgatava quando fechava seus olhos e se entregava às doces lembranças, ela sabia que não encontraria nunca mais, nem tampouco em nenhum travesseiro estranho que aconchegava sua cabeça ou num peito estranho que jamais encaixaria sua cabeça com tamanha perfeição. Poliana também sabia que aquelas mãos firmes que a seguravam pelo quadril, quando sua cama lhe servia de chão e aquela barba por fazer que lhe roçavam as costas
quando aqueles lábios, que ela tanto amava, percorria-lhe a pele deixando um rastro molhado e fazia balançar seu corpo como um terremoto que a despia de todo e qualquer resquício de pudor, já não dormia mais consigo no leito aconchegante de sua casa.

     Poliana, de flor em flor, espalhava seu pólen, mas nenhum prazer seria capaz de arrancar-lhe a saudade e a lembrança que exalava pelos poros de sua pele alva e macia. Com seu ex-companheiro ela não precisava esconder-se envolta naquela toalha estranha e dissimular as imperfeições de seu corpo pois ele a amava plena e exatamente como ela é, aliás, ele adorava observá-la nua. Poliana, de olhos ainda maquilados, lábios sem batom, dedos sem anéis, estava de volta à vida que ela mesma abandonara quando conheceu seu ex-companheiro. Poliana nunca foi feliz pousando de flor em flor, porém retomou. Poliana sabe que voltará àquele abismo imenso dentro de si, pois ela bem sabe que pousar de flor em flor não lhe trará felicidade alguma, mas, muito pelo contrário, a empurrará de volta à escuridão daquele cantinho cinzento e escuro de sua alma.
Poliana conhece bem suas escolhas, seus valores, seus defeitos e suas motivações. Foi decisão sua.

     Amor verdadeiro não bate à porta todos os dias. Raramente duas vezes. Três vezes nunca. Poliana teve sua chance. Mas seu zelo exacerbado por quem não merecia tal zelo, e agora ela vê isso na solidão de seus dias e suas noites, lhe mostra quem realmente esteve sempre ao seu lado, mas o depois não conta mais, o ontem já passou e o futuro não lhe reserva mais esse amor perdido. O presente... bem... o presente pode dar a Poliana uma flor por noite, mas até quando, se o tempo é cruel em deixar suas marcas, o coração é tirano ao recusar-se a despejar seu grande amor, seus pensamentos zombam de si ao tentar baní-lo dali e seu corpo tece insatisfeitas e insaciadas comparações.

     Poliana abre a ducha do chuveiro, tenta sorrir e mentir a si própria que está feliz, que é isso mesmo que tinha que acontecer, que tomou as decisões corretas e balança a cabeça como se quisesse afastar para bem longe o que em vão ela vai tentar esconder de si própria pelo resto da vida. Poliana veste-se e vai para o trabalho. Cabelos penteados, anéis nos dedos, batom na boca, cremes no rosto. Um novo dia, uma nova noite, quem sabe uma nova flor diferente a espera logo mais à noite?. Por fora, um sorriso nos lábios, por dentro, chagas abertas na alma. Lá vai Poliana.


    As decisões que tomamos na vida, sempre são motivadas pela auto-proteção ou para protegermos alguém ou alguma coisa em nosso convívio. Todas elas tem seu preço e suas consequências. Algumas, aquelas que envolvem abrir mão de coisas ou pessoas preciosas, são pagas com suor e lágrimas ou deixam um rombo de sentimentos difíceis de curar. Não são os atos que matam, Poliana, mas sim as lembranças de como poderia ter sido se não tivesse desistido tão cedo. Lá vai Poliana, que busca, em vão, compensar, de flor em flor, aquele que foi, e quer ela queira ou não, sempre será, seu grande amor.

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